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0558 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

da adaptação das regras fundadoras aos sucessivos alargamentos a Estados de pequena e média dimensão, era um problema real, que minava a confiança dos respectivos cidadãos na própria União Europeia e que foi bem resolvido, afastando o espectro do «Directório» que ensombrou e dificultou enormemente toda a negociação. Finalmente, este Tratado resolveu a tensão alargamento/aprofundamento da integração e cooperação, quer através do reforço da Comissão (cuja concretização depende de vontade política e de competência), quer pelo reforço do mecanismo de cooperações reforçadas, criando as condições necessárias à discussão em torno da natureza e finalidades da União Europeia.
O Tratado garante, com o novo regime das cooperações reforçadas, mecanismos contra a paralisia do processo de integração.
O Tratado permite abordar o progresso da União Europeia no interesse comum.
A marcação da Conferência Intergovernamental (CIG) para 2004, com os quatro temas já acordados para a respectiva agenda, os quais poderão ainda ser alargados, corresponde ao reconhecimento de que, só agora, sem o obstáculo das questões institucionais e de repartição de poder nacional, será possível empreender os debates de fundo sobre o método de integração e as finalidades políticas da União Europeia. Este é o valor que o Tratado de Nice assume na evolução global do processo de integração: o de encerramento de um ciclo e de inauguração de um novo ciclo que permita ligar todo o debate institucional às necessidades das políticas concretas a conduzir, no interesse comum, pela União Europeia, de modo a que as respostas à pergunta «quem faz o quê?» (a União Europeia ou os Estados-membros, e como se articulam as instituições da União Europeia) pressuponham respostas à pergunta «o que queremos fazer juntos?» em nome dos nossos interesses comuns, da coesão económica e social, do nosso modelo social e dos direitos e liberdades fundamentais que caracterizam o nosso modelo político.
Sr.as e Srs. Deputados: Esta vontade política de dotar a União Europeia de novas competências suscita, obviamente, a questão da democracia: embora constituída e legitimada por Estados soberanos e democráticos, não podemos dizer que esta formação com poderes de tipo estadual, que a União Europeia já é, esteja apta a recuperar e garantir a democracia que se perde a nível nacional por efeito da própria transferência de soberania para algo que é ainda o «centro político vazio», de que falou, em tempos, John Kenneth Galbraith. Esta é a raiz do famoso, e não negado, défice democrático, que, a meu ver, só poderá ser superado pela concretização de uma vontade política de fazer da União Europeia uma entidade com voz autónoma, peso e influência específicos na cena internacional e efectiva capacidade de regulação democrática da economia e de garantia dos direitos fundamentais, como verdadeiro poder soberano, no respeito do princípio da subsidiariedade. É aqui que se insere a questão do «governo económico», que, apesar dos progressos feitos com o «método de coordenação aberta» lançado pelo Conselho Europeu de Lisboa, continua a faltar, como contraponto político do poder do Banco Central Europeu independente. Mas todos teriam a vontade política de apoiar um tal passo em frente? Ou, como é mais certo, não perderiam a oportunidade para as habituais lamúrias sobre a perda da soberania?
Com a questão da democracia liga-se também a das condições de elaboração e aprovação de tratados como este e a da participação dos cidadãos nas decisões da União Europeia. O referendo, que poderá ter um valor legitimador de transformações qualitativas da participação de Portugal na União Europeia - como foi o caso da adesão e da criação da moeda única -, não é a panaceia para garantir a democracia. O decisivo parece-me ser a criação de uma verdadeira opinião pública, apoiada numa interventiva cidadania, europeias - o que exige o reforço das instituições representativas (como o Parlamento Europeu) e das formas de participação dos cidadãos e dos actores sociais a todos os níveis.
Mas, como a nossa própria experiência no acompanhamento da elaboração e ratificação do Tratado de Nice acabou de demonstrar, apesar do nosso empenhamento comum e das múltiplas iniciativas de informação e auscultação da sociedade, o debate político sobre a União Europeia é difícil e, como também é revelado pelo inquérito do Eurostat, não é nada mobilizador. É preciso conseguir que deixe de ser um debate de especialistas.
É neste quadro que o reforço da intervenção dos parlamentos nacionais no próprio processo de decisão da União Europeia pode ter um efeito importante no combate ao défice democrático, aproximando a opinião e o eleitorado nacional das decisões tomadas em Bruxelas, com o nosso voto, e obrigando a um acompanhamento que permita fazer compreender a todos, eleitores e responsáveis políticos, que, doravante, as questões europeias são cada vez mais verdadeiras questões de política interna. A participação paritária dos parlamentos nacionais no processo de decisão seria, além disso, como já salientei, um importante factor de garantia da igualdade e da identidade dos Estados-membros.
É ainda neste contexto que desejo saudar a decisão de aplicar à próxima revisão do Tratado, marcada para 2004, o método de «Convenção», já experimentado com tanto êxito na elaboração do projecto de Carta dos Direitos Fundamentais, para preparar - numa instância que reunirá representações paritárias dos parlamentos nacionais, que têm o poder final de ratificação, e dos governos, além de uma representação do Parlamento e da Comissão europeus - o projecto de tratado sobre o qual incidirão as negociações da CIG. O método garante democracia, transparência, participação da sociedade e, fundamentalmente, o envolvimento das principais fontes de legitimidade democrática a nível nacional e europeu. Isto é necessário, quando se trata de elaborar a verdadeira constituição material da União Europeia. Podemos adivinhar que esta fórmula democrática vai merecer todas as contestações dos defensores da democracia que a reduzem ao referendo, sem quererem compreender que, hoje, a democracia, ou é também supranacional ou não será!