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3345 | I Série - Número 060 | 06 de Março de 2004

 

conhecimento da realidade efectiva.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A mutilação genital feminina é uma prática comum a diversos povos por razões culturais, étnicas ou religiosas.
Os fundamentos desta prática são vários. Enquanto nalgumas comunidades assume a característica de ritual para assinalar a passagem de menina a mulher, noutras é encarada como forma de evitar que a mulher atinja o prazer, privilégio apenas reservado ao homem. Noutras ainda reflecte o consenso social imperante de que é preciso preservar a virgindade da rapariga e da mulher até ao casamento e que a sua sexualidade deve ser controlada. Nessas culturas, os homens não se casam com raparigas que não tenham sido sujeitas a esta prática por as considerarem impuras ou sexualmente indulgentes.
Importa referir que a mutilação genital feminina tem consequências graves a curto e a longo prazo. É extremamente dolorosa, pode provocar infecções urológicas crónicas, cicatrizes malignas ou mesmo a morte, provoca dificuldades no parto e, além do mais, é um factor acrescido de vulnerabilidade na transmissão do vírus VIH/SIDA. Em última análise, causa graves e irreversíveis danos na integridade física e psicológica da mulher, bem como na sua saúde sexual e reprodutiva.
A mutilação genital feminina é, em geral, praticada sem qualquer tipo de anestesia e sem quaisquer condições de higiene, utilizando-se nesta prática facas, tesouras, lâminas ou mesmo cacos de vidro.
A mutilação consiste na ablação total ou parcial do clitóris e outros órgãos genitais, assumindo três formas: a clitoridectomia; a excisão; e a forma extrema, a infibulação, que consiste na ablação total da parte externa dos órgãos sexuais femininos.
É um holocausto silencioso o das mulheres que continuam a ser sujeitas a esta prática. É um acto de violência e hediondo também porque, na maioria dos casos, é praticado por imposição ou com a participação de familiares e amigos.
É, além disso, um crime, na perspectiva do CDS-PP e também do Parlamento Europeu, que, através da sua Resolução 2001/2035 (INI), recomenda aos países da União que procedam à harmonização legislativa e à elaboração de legislação específica sobre a mutilação genital feminina sempre que a mesma não exista.
É ainda uma forma de resposta ao repto, se assim lhe podemos chamar, do Sr. Primeiro-Ministro no discurso proferido em 18 de Setembro de 2002, na tomada de posse da Dr.ª Amélia Paiva como nova Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, a quem foi pedido que considerasse a excisão feminina como fenómeno prioritário nas preocupações da Comissão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tal como havia anunciado em declaração política produzida perante esta Câmara em 19 de Fevereiro do ano passado, o CDS-PP apresenta hoje uma iniciativa legislativa cujo objectivo é o de criar um novo tipo legal de crime no nosso Código Penal, especificamente destinado a punir a mutilação genital feminina.
Através deste projecto de lei, procede-se à tipificação do crime de mutilação genital, punindo-o com pena equivalente à prevista para o crime de ofensas à integridade física grave, constante do artigo 144.º do Código Penal, ou seja, de 2 a 10 anos de prisão.
Propõe-se o aditamento de um artigo 144.º-A, com a epígrafe "Mutilação genital feminina" ao capítulo respeitante aos crimes contra a integridade física. Igualmente, e em consequência desse aditamento, é proposta a inclusão do novo tipo legal nos artigos do Código Penal que curam da agravação pelo resultado (artigo 145.º) e que qualificam a ofensa à integridade física (artigo 146.º).
Finalmente, é proposto que, nestes casos, o consentimento não releve de forma alguma, pela introdução de um inciso de exclusão deste crime no artigo 149.º do Código Penal, que trata precisamente do consentimento nos crimes de ofensa à integridade física.
Poder-se-ia considerar que a mutilação genital feminina, em qualquer das suas formas, consistiria numa ofensa à integridade física e, portanto, já contemplada, ainda que de forma não expressa, no crime de ofensas à integridade física simples, o qual, como se sabe, pune tal conduta com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. No entender do CDS-PP, porém, tal pena não é a adequada às condutas descritas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não me diga que só está contemplada no artigo 143.º!

A Oradora: - Mostrando-se mais adequada a moldura penal do artigo 144.º, suscitaram-se-nos, porém, fundadas dúvidas de que as circunstâncias qualificadoras fossem aplicáveis, sem mais, ao caso da mutilação genital feminina ou, no mínimo, que abarcassem todas as feições que este fenómeno pode revestir.
Tendo em conta, porém, toda a envolvência cultural, religiosa e social da prática da mutilação genital feminina, não pôde o CDS-PP deixar de prever a circunstância de a mutilação ser feita a pedido da vítima, desde que tal pedido seja feito de forma séria, instante e expressa, caso em que se optou por