O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3348 | I Série - Número 060 | 06 de Março de 2004

 

A MGF é uma prática inserida num ritual de passagem que mutila mulheres em razão do seu sexo, repito, em razão do seu sexo, é um acto de violência que as mantém submissas, subordinadas e indefesas perante as mulheres mais velhas, muitas vezes familiares, perante as fanatecas (as que praticam o fanado, ou seja, a MGF), perante os curandeiros, perante os homens.
O silêncio, o nosso silêncio, seria o melhor aliado para dar a esses homens a possibilidade de exercerem um controlo sobre a sexualidade, a autonomia e a vida das mulheres. Estas seriam e são depositárias da honra familiar e daí a necessidade de controlo sobre os seus corpos.
Falamos de estruturas sociais que se apoiam na desigualdade dos sexos e em relações desequilibradas de poder e nas quais a pressão social e familiar está na origem da violação do direito fundamental, que é o respeito pela integridade pessoal, pela saúde física e mental, bem como pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Alguém disse, há tempos, em Portugal, como se viu na reportagem da jornalista Sofia Branco, no Público: "(…) não pode ser crime, porque é a nossa tradição. É um símbolo da nossa identidade, (…)".
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A tradição pode ser uma forma de reconhecimento mútuo, um código partilhado que, em situações de sofrimento, de perda, de solidão e discriminação, é um ponto de apoio fundamental. Mas nem sempre as crenças e as tradições contribuem para o desenvolvimento pessoal e colectivo do ser humano, a tradição pode ser retrógrada e pode ser um crime. Neste caso é um crime, e é um crime intolerável! Como são intoleráveis, para nós, outras tradições: a de seres humanos poderem ser apedrejados até à morte, sujeitos à pena de morte, a de decepar mãos ser castigo para o roubo, a de mulheres poderem ser queimadas com ácido e vítimas de crimes de honra e punições públicas, a de mulheres passarem uma vida inteira sem rosto e não serem tratadas em hospitais se aí não houver médicas, etc. É a idade das trevas em que parte do mundo ainda vive mergulhado e que nenhum relativismo cultural justifica, repito, nenhum relativismo cultural justifica.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O nosso respeito pelas tradições e costumes de outros povos acaba quando a questão se coloca ao nível dos direitos humanos, como disse e bem, há tempos, a Deputada Teresa Morais.
É evidente que é preciso usar de tacto e discrição ao analisarmos e legislarmos sobre questões que radicam em crenças tão profundamente arreigadas que, de culturais, com o correr do tempo, passam a religiosas. Temos, pois, de ser cuidadosos e pedagógicos.
As Eurodeputadas portuguesas que fazem parte da Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Oportunidades no Parlamento Europeu consideram que, mais do que uma lei específica sobre a MGF, são necessárias medidas de prevenção e campanhas de sensibilização. São necessárias medidas no sentido de se modificarem os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres com práticas assentes em estereótipos de um ou de outro sexo. E porque esta questão envolve uma complexidade de factores sócio-culturais, económicos e sociais, é necessária uma abordagem multidisciplinar e intersectorial que promova a igualdade de oportunidades sem que haja lugar a estigmas junto de populações minoritárias onde a MGF é praticada.
É preciso oferecer apoio, por um lado, às mulheres que são vítimas de mutilação dos seus órgãos genitais e, por outro, à luta das organizações que se batem, em condições muito difíceis, por mudanças culturais.
A Associação para o Planeamento da Família entende também que esta questão não se circunscreve unicamente à lei penal, ela abrange a promoção da cidadania, a participação das comunidades e, especificamente, das mulheres, na resolução dos problemas que as afectam.
Este crime não está expressamente autonomizado e previsto na nossa lei penal, embora o artigo 144.º do Código Penal, segundo algumas interpretações jurídicas, o possa abranger, porque estamos perante a ablação de um importante órgão do ser humano.
Na União, para além da Espanha e do Reino Unido, não se conhecem outros países que tenham lei penal específica para a MGF, mas a Itália proíbe, terminantemente, aos médicos, a prática de qualquer forma de mutilação genital feminina.
A abordagem da MGF implica, igualmente, o respeito pelos acordos firmados nos fora da ONU, na União Europeia, no Comité Interafricano sobre Práticas Tradicionais, na União Africana, entre outros, e implica também que as acções sejam acompanhadas por programas e medidas estruturais.
É necessário que a MGF e outras formas de violência mas, particularmente, a MGF seja incluída nos programas de cooperação com os países em desenvolvimento onde esta prática exista.
É desejável e exige-se que, por um lado, sejam estruturados programas de saúde com objectivos de prevenção, actuação e apoio junto das comunidades migrantes, ao nível da saúde sexual e reprodutiva, incluindo o VIH/SIDA, a violência de género, a maternidade segura, o planeamento familiar, a