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0663 | I Série - Número 013 | 16 de Outubro de 2004

 

de quase duas décadas, Joaquim Chissano, com a consciência plena do dever cumprido, livremente fez a justa opção pelo merecido "repouso do guerreiro".
Ora, já nos tínhamos habituado à liderança serena do Presidente Chissano e estávamos tranquilos sabendo-o ao leme, em Maputo. O seu voluntário afastamento testemunha a esclarecida visão de um homem de Estado, ciente das vantagens do rejuvenescimento dos quadros dirigentes, e dá fé, ainda, da maturidade das instituições políticas moçambicanas, chamadas à dura prova da rendição da guarda, na altura da saída de cena da geração fundadora da grande nação africana, que é Moçambique.
Sr. Presidente Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O que se passa em Moçambique não é indiferente para Portugal. Vivemos juntos tempo demais - quase meio milénio - para podermos agora comportarmo-nos, reciprocamente, como estranhos.
A História ensina-nos que foram os marinheiros de Vasco da Gama, nem mais nem menos, na viagem de descobrimento do caminho marítimo para a Índia, os primeiros portugueses a pisar terra moçambicana e a estabelecer contacto com as populações lá existentes.
A partir de então e com o rolar dos séculos foram surgindo, ao longo da extensa costa de Moçambique, as fortificações estratégicas, os entrepostos de comércio, as primeiras igrejas, sinais de uma forte vontade de ficar, expressa, além do mais, na miscigenação.
Nem tudo correu bem neste nosso encontro de gentes e de culturas: a dominação do mais forte sobre o mais fraco, a apropriação das riquezas nativas pelos recém-chegados, habilitados pelo uso de técnicas modernas, os delitos horrendos da escravidão, violentamente imposta a tantos inocentes, e do tráfico negreiro, dos quais, pelos padrões morais de hoje, nunca nos arrependeremos bastante, a repressão duríssima das insurreições e levantamentos dos povos indígenas, nos quais é licito descobrir os primitivos alvores da consciência nacional moçambicana, eis algumas das páginas mais tristes do nosso percurso histórico conjunto.
Mas também houve capítulos gloriosos na saga de Moçambique acoplado a Portugal: o desbravar do território; a penetração para o interior, seguindo o curso dos rios em demanda das terras planas e férteis de altitude; a domesticação das forças da natureza, que tem o seu símbolo derradeiro na grande barragem de Cahora Bassa, no ex-Zambeze; a fixação das fronteiras, contrariando cobiças várias, da qual resultou um território imenso, prenhe de potencial idades mil; o combate à doença; a difusão da língua, instrumental para o acesso à modernidade e ainda como veículo de comunicação entre as várias etnias.
Tudo isto e o mais que se poderia, com exactidão e justamente, evocar nos enche de orgulho e permite concluir, em balanço, que valeu a pena.
Quando todo o Continente Negro desperta para a sua auto-determinação e independência, passada a II Guerra Mundial e ao abrigo dos princípios da Carta das Nações Unidas, Moçambique e os outros territórios africanos colonizados por Portugal despertam também.
Considero erro fatal da ditadura salazariana ter recusado acolher os legítimos desejos de afirmação nacional dos povos de África submetidos a Portugal, manifestados pelos pioneiros da sua emancipação, um dos quais foi Joaquim Chissano, por sinal entre nós educados e partilhando connosco a língua, a cultura e tantos, tantos ideais humanistas e de convivência ecuménica e inter-racial.
Uma transição pacífica para a independência teria sido decerto possível, garantindo melhores condições na preparação de quadros para a transferência de poderes e salvaguardando interesses comuns. Isto, porém, era contrário ao código genético do regime fascista e colonialista, que negava também ao povo português as mesmas liberdades que aos povos colonizados.
A guerra de libertação foi cruel de parte a parte e deixou muitas cicatrizes. A descolonização fez-se como se pôde, em clima de derrocada, com enormes perdas e sofrimentos indizíveis.
De toda esta tragédia, como de um parto doloroso e sangrento, surgiu, porém, cheia de força, a compreensão, a desculpa, a amizade indestrutível entre Moçambique e Portugal.
As malhas tecidas pela pulsão imperial fornecem hoje a base sólida para uma renovada solidariedade.
Portugal quer estar na primeira linha da ajuda franca ao desenvolvimento de Moçambique. Queremos também dar toda a colaboração que for precisa para a consolidação das instituições democráticas moçambicanas. Na Assembleia da República, sempre tão propensa, pela sua própria natureza, à confrontação de ideias programáticas, os propósitos que enunciei são absolutamente consensuais.
Sr. Presidente da República de Moçambique, Sr.as Ministras e Srs. Ministros, Altas Autoridades do Estado Português, Ilustres Convidados, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: O forte entendimento entre os nossos dois Estados e Povos permite-nos encarar confiadamente o futuro.
No nosso horizonte partilhado perfila-se o grande desígnio da afirmação lusófona.
Cerca de duzentos milhões de seres humanos, constituindo oito países diferentes, situados em quatro continentes, imprimem na lusofonia uma dimensão planetária.