24 DE NOVEMBRO DE 2006
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Com esta táctica de apregoar a inevitabilidade querem fazer crer aos portugueses que não há outra saída, que os portugueses têm direitos a mais, regalias sociais em excesso, protecção em demasia, em suma, vivem vidas regaladas e com um exagero de tranquilidade que não é possível continuar a alimentar. Por isso, têm de aceitar esta regressão social e civilizacional, sem espernear nem barafustar. Querem que a desesperança e o conformismo aniquilem o protesto social e a luta pelos justos direitos inscritos na Constituição da República Portuguesa.
Não se trata de reconhecer neste debate que é necessário alterar o actual sistema. Aliás, com a Lei de Bases actualmente em vigor, da responsabilidade do governo de Durão Barroso e de Bagão Félix, abriu-se manifestamente a porta à privatização e à possibilidade de estabelecer um sistema misto, prevendo expressamente o desvio de receitas da segurança social para fundos de capitalização privados.
Perante este cenário, a opção do Governo, apoiado por uma maioria absoluta do Partido Socialista nesta Câmara, poderia ter sido a de corrigir este erro crasso que não garante a sustentabilidade da segurança social, antes a agrava, pois retira-lhe ainda mais receitas num momento em que o seu principal problema é o subfinanciamento. Mas não foi essa a opção do Partido Socialista.
Outros partidos à esquerda apresentaram propostas de lei de bases que corrigem esse erro no qual, até este Governo, também o Partido Socialista nunca antes tinha caído.
Contudo, este Governo socialista já demonstrou bastas vezes ter colocado o socialismo «na gaveta», que fechou à chave, tendo provavelmente deitado a chave fora — não sei se alguma vez a encontrarão...
Efectivamente, a sua proposta, ao arrepio do que sempre tinha defendido o PS, não deixa margem para dúvidas, basta ler: prevê claramente a possibilidade de se vir a estabelecer, como até hoje só defendiam os partidos da direita (e que hoje coerentemente voltam a defender e a aprofundar), não só o plafonamento horizontal, ou seja, o desvio de contribuições para fundos de pensões privados que se aplicaria aos trabalhadores com salários mais elevados, mas inclusivamente o dito plafonamento vertical com o intuito de se vir a aplicar no futuro a todos os trabalhadores e de forma obrigatória, apesar de o PS jurar a pés juntos que não é isso que pretende.
O que fica por explicar, porque não tem explicação possível, é por que razão, se o PS não quer que isso venha a acontecer, a sua proposta de lei no artigo 58.º o prevê expressa e abertamente…! Disse o Sr. Ministro que é por uma questão de liberdade que deve existir numa lei de bases. Parece-nos, contudo, que é antes por uma questão de liberalismo ou de neoliberalismo, que constitui assim uma opção estruturante claramente assumida pelo Governo nesta lei de bases quando podia ter escolhido, no respeito pelo princípio de um sistema público e solidário, deixar de fora esta hipótese de matriz de direita e de cariz privatizador.
Mas o Partido Socialista não se fica por aqui! Além da questão de fundo de abertura aos dois tipos de plafonamentos, ou tectos contributivos, (o vertical e o horizontal), propõem ainda a introdução, por um lado, do dito «factor de sustentabilidade» assente na esperança média de vida dos trabalhadores, calculada no momento da sua reforma para reduzir as pensões dos futuros pensionistas e introduz, por outro, o «indexante ao Produto Interno Bruto», o qual, atendendo à evolução que se conhece do PIB nos últimos anos, inferior ao aumento do custo de vida e da inflação, conduzirá à redução gradual do valor real das pensões dos actuais reformados, já hoje em grande parte extremamente desvalorizadas e degradadas e que «andam de mão dada» com a pobreza e a exclusão social.
Face ao problema principal do subfinanciamento da segurança social, a resposta do Governo assenta quase exclusivamente no combate à fraude e à evasão das contribuições, ainda por cima quando os resultados deste combate ficam aquém do aumento só da dívida declarada. Ou seja, enquanto a dívida declarada (sem falar na dívida fraudulenta) aumenta em 500 milhões de euros, o Governo declara ter consigo recuperar apenas cerca de metade.
No que toca à diversificação das fontes de receita, o Governo pouco mexe, limitando-se a insistir em sobrecarregar os trabalhadores apelando à sua responsabilidade. Mas no que toca à responsabilidade das empresas que têm contribuído apenas com base no índice salarial, o qual tem vindo a perder peso gradualmente face à inflação e ao aumento do custo de vida, em vez de serem chamadas a contribuir com base na riqueza que cada uma produz e não em função do emprego que criam, gerando assim uma repartição mais justa, aí o PS não mexe. Por outro lado, simultaneamente, o Governo continua a não respeitar as transferências para a segurança social.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, o Governo entrou neste debate já com as suas ideias e as suas opções feitas e estas passam, claramente, por soluções à direita para resolver problemas que as políticas de direita têm criado. Por isso, o Partido Ecologista «Os Verdes» votará desfavoravelmente a proposta do Governo.
Aplausos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Santos.