45 | I Série - Número: 051 | 22 de Fevereiro de 2007
Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto à segunda proposta, o papel da mediação na resolução de conflitos está a crescer nas sociedades contemporâneas, onde cada vez é mais valorizado o leve, o flexível, o informal, o amigável.
Também isso se verifica em Portugal. Um número crescente de litígios está a encontrar solução na mediação. Muitos milhares de conflitos foram já resolvidos através de recurso à mediação no âmbito dos julgados de paz, onde 30% das causas são já resolvidas desse modo, antes da fase de julgamento.
Em Dezembro, pusemos em funcionamento um sistema de mediação laboral, nascido com o apoio de todas as centrais sindicais e confederações patronais e da maior parte das empresas de referência do nosso País.
A iniciativa para a instituição de um sistema de mediação penal, que hoje aqui trazemos, surge neste contexto, beneficia já de múltiplas experiências noutros países e dá resposta a instrumentos internacionais e comunitários – Conselho da Europa (1999) e União Europeia (2001).
Acompanha, por outro lado, o movimento em curso em muitos sistemas criminais contemporâneos no sentido de valorizar o espaço da justiça restaurativa. Uma parte da criminalidade reclama a disponibilidade de instrumentos pesados e de soluções mais rígidas, mas seria socialmente contraproducente e contrário aos requisitos básicos de um direito penal liberal, estender esse programa a toda a criminalidade.
Daí que o direito penal contemporâneo tenha de promover, cada vez mais, a diferenciação das respostas e das próprias estratégias de reposição da paz social perturbada pela ocorrência dos crimes, desde o estilo não dispensável do Estado punitivo, equipado de meios pesados e contundentes, às soluções restaurativas próximas das pessoas.
A ideia de uma justiça restaurativa, que adquiriu grande força nas últimas décadas, pretende oferecer a alternativa de uma justiça de proximidade, mais participada e mais direccionada para a reparação das vítimas e para reinserção dos infractores.
A mediação, como instrumento dessa ideia restaurativa, é um processo informal e flexível, conduzido por um terceiro imparcial, que promove a aproximação entre o arguido e o ofendido e os apoia na tentativa de encontrar activamente um acordo que permite a reparação — não exclusiva ou necessariamente pecuniária — dos danos causados pelo crime e sirva a restauração a paz na comunidade.
A instituição de mecanismos da justiça restaurativa poderá trazer benefícios não só à vítima e ao autor do crime, que se encontram hoje em vários países identificados, como também do ponto de vista do Estado.
As vantagens públicas situam-se num papel preventivo de futuros crimes, numa justiça mais célere, mais económica, mais informal e próxima e, em particular, na libertação dos meios de investigação e dos tribunais para o combate à criminalidade mais grave.
A ideia de uma transacção entre particulares em matéria penal conduz a uma assumida e ponderada racionalização do papel do Estado no processo penal, mas não, de modo algum, a uma demissão ou um abandono.
Tal como está configurada no sistema proposto pelo Governo, a mediação está enxertada no processo penal e não é independente deste, como acontece em alguns países.
Assim, o Estado está sempre por trás, fica sempre a assegurar que o conflito é composto e só se não for, ou não puder ser composto pelas partes, é que intervém, mas não deixa de intervir.
Este sistema está assim em consonância com a ideia da ultimo ratio da pena, representando uma modernização do sistema penal no sentido de maior flexibilidade, informalidade e economia.
Ao contrário daquelas experiências em que a mediação penal está desligada do sistema formal, na proposta do Governo está previsto um importante papel para o Ministério Público, dado que é na fase do inquérito que nos situamos.
Assim, é ao Ministério Público que fica confiada a selecção dos casos em que as finalidades preventivas podem ser adequadamente prosseguidas através da mediação, a qual, obviamente, só tem lugar se a vítima concordar.
É o Ministério Público que encaminha os processos para a mediação e que determina o momento adequado para esse encaminhamento, é o Ministério Público que controla a conformidade do acordo alcançado com a lei.
Ponderados todos os contributos e argumentos, a proposta que o Governo hoje traz à Assembleia, em especial quando comparada com soluções vigentes noutros países, é sobretudo marcada pela prudência e pela vontade de dotar esta inovação de um largo suporte político e social que desde o primeiro momento favoreça a confiança.
Na delimitação dos crimes abrangidos, nesta primeira consagração da solução, opta-se por abarcara criminalidade menos grave.
O sistema proposto é aplicável apenas a crimes contra bens jurídicos individuais, a todos os crimes particulares e a certos crimes semi-públicos — crimes semi-públicos contra as pessoas ou contra o património — desde que puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente.
Independente da natureza do crime, estão sempre excluídos do âmbito da mediação penal os crimes sexuais, crimes de peculato, corrupção e tráfico de influência — que, obviamente, sempre estariam por se tratar de crimes contra o Estado, crimes sem vítimas como se costuma dizer — mas também os casos em que o ofendido seja menor de 18 anos ou em que o arguido seja pessoa colectiva.