54 | I Série - Número: 071 | 13 de Abril de 2007
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — Muito bem!
O Orador: — Vi aqui o PS e o PSD embrulharem-se muito numa grande discussão sobre o processo, à qual não retiro importância, mas parece que há algum receio em discutir o fundo da questão, e ele tem que ver com a liberalização da propriedade das farmácias.
A pergunta primeira que é preciso fazer é esta: que problema vem resolver esta legislação? Isto é, que problema estava criado com a actual legislação que precise ser resolvido com a sua alteração? Bom, o que vemos e temos de reconhecer é que não havia um problema com a actual legislação, não havia um problema na venda, a retalho, de medicamentos com a actual legislação. Não estava criada qualquer dificuldade para as populações, para a segurança dos medicamentos, para a acessibilidade, por causa da exclusividade da propriedade da farmácia aos farmacêuticos. Penso que podemos dizer que esse problema não existia.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Existe! Pergunte à Autoridade da Concorrência!
O Orador: — Então, se esta proposta não vem resolver um problema, vem fazer o quê? Aliás, o Sr. Ministro, se me permite uma citação talvez não completamente rigorosa mas penso que no sentido do «sim», disse que «não se justifica a manutenção da obrigação da coincidência entre o director técnico e o proprietário da farmácia». Repito, não se justifica! Mas não referiu que existe um problema que é preciso resolver, porque ele não existe! E esta é que é a questão! Bom, digamos, então, que não há um problema para resolver mas, sim, uma singularidade jurídica.
Isto é, há um sector económico, um negócio, cuja propriedade é exclusiva de uma só classe profissional.
É verdade. Trata-se de uma singularidade jurídica. Mas não é a única. Há outras áreas profissionais e económicas que são exclusivas de uma só profissão. Não são exactamente iguais, não quero fazer comparações, mas também existem.
Podemos perguntar: mas é indispensável ser farmacêutico para fazer uma boa gestão da farmácia? Não. Claro que não é. Claro que outros profissionais, outras pessoas, podem gerir bem uma farmácia não sendo farmacêuticos. Isso não está em questão. Só que o problema, aqui, não é jurídico, é político.
A Sr.ª Maria Antónia Almeida Santos (PS): — É jurídico!
O Orador: — O nosso ordenamento jurídico está cheio de singularidades e não é por isso que vamos alterá-las todas, como o Governo pretende alterar esta.
O que há é uma opção política não de resolver um problema pré-existente mas, sim, de permitir a titularidade das farmácias de forma aberta e liberalizada.
Todos sabemos que isto vai permitir que as farmácias sejam detidas por grandes grupos económicos, designadamente na área do medicamento.
Todos sabemos que noutros países esta medida conduziu à verticalização do controlo do sector do medicamento, que é o pior e o maior obstáculo a uma política de medicamento que qualquer governo queira seguir.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Orador: — E esta é que é a opção do Governo! Não é resolver um problema ou eliminar uma singularidade, é permitir a verticalização do sector e o controlo da venda a retalho por grupos económicos deste sector, ou não. Dirão: «Há garantias. A lei prevê que cada entidade só pode ter um máximo de quatro farmácias». Não vou discutir porque é que são quatro, não interessa muito se são quatro ou cinco, até podia arranjar uma razão muito curiosa, mas não vou apresentá-la.
O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Foi um acordo feito com os tais parceiros que não se ouviram!
O Orador: — O problema é que todos sabemos que a realidade ultrapassará a salvaguarda legal, como demonstram as experiências noutros países.
Todos sabemos que a lei vai dizer que cada um só pode ter quatro farmácias. Mas conhecemos também como é que, por outras vias indirectas, esses mesmos grupos de quatro farmácias podem ser concentrados, em grande maioria, na mão de um só poder económico, de um só centro de decisão. Todos sabemos que isso é possível. Todos sabemos que isso aconteceu noutros países.
Portanto, não podemos olhar para isto com a ingenuidade de quem diz «está na lei a limitação, portanto isso é suficiente para garantir que esta perversão não aconteça».
Aliás, a singularidade do exclusivo da propriedade por parte dos farmacêuticos é, imagine-se, maioritária na União Europeia. Vejam bem tão singular que é esta questão.