7 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007
democracia.
Era preciso acabar com a situação que levava as mulheres à barra dos tribunais, era preciso acabar com os abortos clandestinos. Era preciso, enfim, retirar Portugal do rol dos países mais atrasados da Europa. Era preciso colocar Portugal do lado da civilização.
Foi isso que o povo português fez no dia 11 de Fevereiro de 2007. E fê-lo de uma forma clara e inequívoca.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
A Oradora: — Naquela noite de Fevereiro o «sim» venceu, e com ele venceram a saúde e os direitos das mulheres portuguesas.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
A Oradora: — Naquela noite perdeu a hipocrisia, toda ela! Aquela que durante décadas fechou os olhos ao aborto clandestino, e portanto foi cúmplice, que ignorou a morte das mulheres, as sequelas físicas e psicológicas para toda a vida, que marcaram gerações de mulheres portuguesas. Mas também a hipocrisia mais recente, que dizia que não queria mandar para a prisão, mas queria proibir e queria esconder, e assim continuava a alimentar o aborto clandestino.
A hipocrisia foi confrontada com a indignação de um País que assistia aos julgamentos em que mulheres foram efectivamente condenadas. A vitória do «sim» foi uma derrota profunda do conservadorismo e do sistema patriarcal que teima em condenar as mulheres à submissão.
A profundidade desta derrota é tão grande que se mede também pelas tentativas desesperadas em boicotar a aplicação integral da lei aprovada e da sua posterior regulamentação. E mede-se, também, pelo ridículo. O pedido de fiscalização sucessiva que foi solicitado por alguns Deputados da direita ao Tribunal Constitucional baseia-se, entre outros pressupostos, no facto de o referendo não ter sido vinculativo.
Estranhamente, ninguém os ouviu levantar a voz quando, em 1998, ainda votaram menos pessoas para negar uma decisão da Assembleia da República.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
A Oradora: — Nada disso aconteceu agora, existindo total sintonia entre o voto popular e a maioria desta Câmara. Os derrotados do referendo queriam que se mantivesse a punição das mulheres quando ganhou o «não» e queriam que se mantivesse a punição das mulheres quando ganhou o «sim», e com muito mais votos.
Nenhum referendo teve mais de metade dos votos, mas a Assembleia da República tem sabido sempre respeitar o sentido político dado pela sociedade. Só o ressentimento com a decisão dos portugueses é que pode justificar esta proposta de Deputados que querem opor-se à escolha dos portugueses e das portuguesas.
Vozes do BE: — Muito bem!
A Oradora: — Temos consciência de que vão persistir resistências. Mas também podemos afirmar que a maioria dos hospitais públicos está em condições de cumprir a lei e de realizar as interrupções de gravidez que sejam necessárias, e vão realizá-las.
Estamos perante um processo completamente irreversível, por muito que isso custe ao Dr. Alberto João Jardim, que afronta as mulheres madeirenses e que as ofende com mais uma das suas «cenas».
Aplausos do BE.
O Governo Regional da Madeira já nos habituou ao seu singular entendimento da democracia. Já ouvimos quase tudo da boca de Alberto João Jardim, mas agora passou dos limites: ameaça boicotar a aplicação de uma lei da República, colocando-se do lado da ilegalidade e violando a Constituição. A lei aplica-se em toda a República, mesmo que o PSD Madeira dela discorde.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
A Oradora: — Bem pode o PSD Madeira, agora, vir dar o dito pelo não dito, recuando e dizendo que o único problema é o dinheiro. Alberto João Jardim não quer aplicar uma lei da República, porque não concorda com ela! Proclamava ele, e cito: «Na minha formação política, primeiro estão os grandes princípios da defesa da pessoa humana e só depois está o positivismo da lei escrita». E assim queria violar a Constituição.
Agora, compreendendo a enormidade do gesto e a gravidade da alegação, Jardim recua e declara que, se lhe forem dadas compensações financeiras, já aplica a lei. O apego de Alberto João ao que enuncia como sendo os «princípios da vida humana» tem um preço. Tudo se traduz em dinheiro.