9 | I Série - Número: 107 | 19 de Julho de 2007
contrastar por exemplo com os 35 enfermeiros, a nível nacional, que comunicaram à respectiva ordem que se encontravam nessa situação. Sobre este aspecto, e sempre respeitando o direito à objecção de consciência, que a lei, aliás, garante, importa fazer três comentários.
O primeiro para dizer que, ao contrário do que foi insistentemente veiculado há uns dias atrás, a lei estabelece claramente que a objecção de consciência vale para todo o lado e não apenas para os serviços públicos.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Diz explicitamente a lei: «Uma vez invocada a objecção de consciência, a mesma produz necessariamente efeitos, independentemente da natureza dos estabelecimentos de saúde em que o objector preste serviço».
Em segundo lugar importa dizer que é indispensável uma rigorosa fiscalização nesta matéria, bem como uma exemplar punição dos que hipocritamente objectarem no serviço público para depois aceitarem no privado.
O Sr. João Rebelo (CDS-PP): — Deve ser, deve!…
O Orador: — Aos que, como nós, sempre defenderam a despenalização do aborto, designadamente pelo acesso aos serviços públicos, repugna profundamente tal frieza negocista.
Finalmente, perante a declaração de uma espécie de objecção de consciência de algumas unidades privadas de saúde, como se a objecção de consciência não fosse uma opção estritamente pessoal e individual dos profissionais, e por isso não aplicável a uma empresa, julgamos ser exigível que esse factor seja ponderado na celebração de acordos com o Serviço Nacional de Saúde.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Não se trata de obrigar essas unidades a fazê-lo. Mas já parece mais discutível que o Estado celebre uma convenção, por exemplo, na área da cirurgia obstétrica, com uma entidade que se recusa a fazer uma parte dos actos dessa especialidade.
Temos agora a questão da Região Autónoma da Madeira. Sobre ela é preciso dizer, em primeiro lugar, que se trata de um problema político e não de um problema jurídico. O que se passa é que o Governo Regional da Madeira quer obstaculizar ao máximo a aplicação da nova lei na região, que é o mesmo que dizer que quer continuar a manter as mulheres madeirenses sujeitas a indignas condições, se decidirem recorrer ao aborto, excepto, claro, as que tiverem recursos para o fazer no continente ou no estrangeiro.
A primeira e inacreditável argumentação era no sentido de não aplicar a lei, tendo em conta a pendência de pedidos de fiscalização sucessiva de constitucionalidade no Tribunal Constitucional. De tão estapafúrdia, a tese acabou por cair pela base, desmentida até por constitucionalistas que estão contra a actual lei.
Gorado este argumento, eis que surge a questão do financiamento. O Governo Regional fez publicar uma portaria em que afirma não assumir os encargos do recurso à interrupção da gravidez nos serviços de saúde regionais, encaminhando as mulheres para a linha Saúde 24. Aliás, já hoje um jornal diário relata a resposta incompreensível deste serviço Saúde 24, ao dizer que não atende mulheres da Madeira. E isto depois de, no início do mês, a Direcção-Geral da Saúde ter sugerido às mulheres que quisessem obter informação sobre a aplicação da nova lei que consultassem a linha Saúde 24.
Há coisas, portanto, que têm de ficar bem claras.
A lei é nacional, aplica-se sem excepção a todo o País e não está suspensa ou limitada na sua aplicação por qualquer fiscalização de constitucionalidade.
A lei aplica-se igualmente à Região Autónoma da Madeira e atribui às mulheres madeirenses, tal como a todas as outras mulheres portuguesas ou residentes em Portugal, a possibilidade de recorrerem a serviços de saúde públicos ou autorizados para interromper a gravidez. O Governo Regional da Madeira pode não estar de acordo com uma lei da República mas tem de cumpri-la, como todas as outras leis.
O Sr. António Filipe (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Finalmente a questão do financiamento. O Governo Regional da Madeira invoca falta de meios, o que é incompreensível perante uma questão que não terá certamente um peso significativo, que pode, evidentemente, ser negociada a seguir e que é, sobretudo, uma questão da dignidade das mulheres madeirenses. Note-se, aliás, que não se ouviu da Região Autónoma dos Açores qualquer impedimento à aplicação da lei por razões deste tipo.
Mas o Ministério da Saúde não pode continuar a hesitar nesta matéria. Tem de garantir que, tal como qualquer mulher de qualquer ponto do País, também qualquer mulher madeirense pode recorrer a uma unidade credenciada para interromper a gravidez. E tem de criar as condições para que esse recurso esteja o mais rapidamente possível disponível na Madeira, dando assim plena aplicação à lei aprovada e combatendo