41 | I Série - Número: 028 | 20 de Dezembro de 2007
unânime quando se fala na alteração de prazos neste tipo de acções.
Permitam-me que destaque, no entanto, a revisão constitucional de 1976, que introduziu a nova redacção do n.º 4 do artigo 36.º, abolindo a distinção legal entre filhos legítimos e ilegítimos, passando a haver filhos tout court. A revisão ao Código Civil, operada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, adaptou este diploma ao referido preceito constitucional. Porém, não alterou os prazos estabelecidos para as acções de investigação da paternidade.
A principal razão que determinou a continuação deste limite, em relação ao prazo para a instauração deste tipo de acções, foi o «combate à acção da determinação legal do pai, como puro instrumento de caça à herança paterna, quando o pai fosse rico», ou seja, a principal razão de ser da limitação do prazo para as acções em apreço é a tutela de interesses patrimoniais do pretenso progenitor, dos herdeiros ou de terceiros.
Temos, assim, por um lado, o direito dos filhos de verem reconhecida a sua paternidade/maternidade e, por outro, o direito dos progenitores e de outros herdeiros, igualmente merecedores da tutela jurídica, protegidos pelo princípio da segurança jurídica.
Parece-nos que a leitura adequada para dirimir esta questão é a posição defendida pelo Sr. Provedor de Justiça, na sua Recomendação 36/B/99, no sentido de a solução menos lesiva ser a previsão do prazo de caducidade exclusivamente para efeitos patrimoniais, consagrando a imprescritibilidade para as acções de investigação de paternidade/maternidade, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal. Nas palavras do Sr. Provedor, «na maior parte das vezes o que o investigante pretende não são bens patrimoniais, mas tão só alguma dignidade social e moral».
Saber quem são os pais de cada um é mais do que um direito, é uma aspiração de qualquer ser humano, porque os antepassados de cada pessoa fazem parte do seu património pessoal, tornando-a a pessoa que é, diferente de qualquer outra, mas ligada por vínculos indeléveis a alguém de quem se herda traços genéticos, quer físicos ou psicológicos.
Os prazos estabelecidos na lei podem ser curtos para quem se quer lançar nesta «aventura» de investigar os seus progenitores, porque a vontade de iniciá-la — por ignorância, por desleixo, por circunstâncias várias da vida de cada um… — pode chegar depois do prazo expirado. Todavia, continua a ser um direito fundamental de cada português.
E quem vai à procura das suas origens pode querer bem mais do que a herança, que, muitas vezes, nem sequer existe; pode querer apenas conhecer-se a si próprio por inteiro e querer tentar encontrar possíveis descendentes dos mesmos progenitores, com quem partilha um património de sangue. É necessário permitir que cada pessoa possa ter direito, durante toda a sua vida, a encontrar alguém com quem tem semelhanças enquanto ser humano, porque essa é a «herança» que é fundamental encontrar para muitas pessoas que desconhecem os seus ascendentes.
O certo é que, nos termos da lei em vigor, mesmo não havendo património algum para herdar, é vedada aos filhos a possibilidade de conhecerem os seus progenitores quando ultrapassado o prazo de caducidade legalmente previsto.
Ora, a Constituição da República Portuguesa consagra, nos artigos 25.º e 26.º, um direito fundamental à identidade pessoal. Não permitir que as pessoas possam, a todo o tempo, ter a possibilidade de saber quem são os seus pais pode ser entendido como uma restrição a este direito fundamental, embora a doutrina constitucional prefira referir esta situação como um «condicionamento» ao exercício deste direito.
Gostaríamos de chamar a atenção, no entanto, para o facto de ser possível que a nova redacção da lei venha a criar constrangimentos e novas conflitualidades, dado abrir a possibilidade de pessoas, comprovadamente com os mesmos progenitores biológicos, herdarem uns apenas o nome e outros o nome e o património, tanto mais que hoje é possível obter cientificamente um grau de certeza muito elevado sobre a progenitura de cada pessoa. Pensamos que, na prática, esta situação pode gerar desigualdades de tratamento entre filhos dos mesmos pais, o que pode contender com preceitos constitucionais,…
O Sr. José Eduardo Martins (PSD): — Ah!…
A Sr.ª Marisa Macedo (PS): — … designadamente o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Marisa Macedo (PS): — Para concluir, Sr. Presidente, somos da opinião de que o projecto de lei tem uma leitura meritória: possibilitar àqueles que procuram o conhecimento e o reconhecimento da sua identidade genética, sem daí retirar qualquer proveito, poderem fazê-lo a qualquer altura da sua vida, o que, em nossa opinião, é muito melhor do que o regime hoje em vigor.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.