13 | I Série - Número: 071 | 24 de Abril de 2009
vontade política, não é menos verdade que há países que o fizeram e que é a própria Convenção das Nações Unidas sobre o combate à corrupção, ratificada, aliás, pelo Estado português, que exorta os Estados-membros a criminalizar o enriquecimento ilícito, o que demonstra que essa medida não é tão exótica como os Srs. Deputados do PS tentam fazer crer.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — O outro argumento contrário à criminalização do enriquecimento ilícito tem sido a invocação da sua inconstitucionalidade por contrariar supostamente o princípio da presunção de inocência e inverter o ónus da prova. Pois bem, são cada vez mais as vozes de penalistas e constitucionalistas altamente qualificados que consideram, com fundamentos bastantes, que essa objecção não tem razão de ser.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Veja-se a explicação do Dr. Euclides Dâmaso Simões na revista Polícia e Justiça do 1.° semestre de 2006, onde refere que «é à acusação que competirá provar que o património do agente público não é compatível com os proventos que auferiu licitamente. Será ao Estado que caberá provar o facto típico, antijurídico e culposo. A justificação que o acusado queira trazer ao processo mais não constituirá que o exercício legítimo do seu direito de defesa».
Veja-se, no número seguinte da mesma publicação, a defesa do Dr. Júlio Pereira, actual Secretário-Geral do Serviços de Informação da República Portuguesa (SIRP), da constitucionalidade da introdução do crime de riqueza injustificada no ordenamento jurídico de Macau, que ainda vivia ao tempo sob administração portuguesa.
A decisão sobre a criminalização do enriquecimento ilícito é uma opção política, que é exigida pela grande maioria dos agentes judiciários e que conta com cada vez mais defensores de todos os quadrantes políticos.
Só o PS continua, ao que parece, obstinado em rejeitar esta medida legislativa, apesar de haver muitos destacados membros do PS que a defendem e apesar da abstrusa medida fiscal que o Conselho de Ministros anunciou, no final da semana passada.
O PS recusa a criminalização do enriquecimento ilícito por se tratar de uma inversão do ónus da prova, mas o seu Governo pretende que a administração fiscal possa, por decisão sua, taxar em 60% o enriquecimento injustificado.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Não confunda crime com outra coisa!
O Sr. António Filipe (PCP): — Ou seja, o enriquecimento injustificado não é ilícito, não se pode acusar nem julgar em tribunal, mas pode-se taxar por decisão do fisco. O Ministério Público não pode acusar ninguém de enriquecimento ilícito perante um tribunal, porque isso seria inverter o ónus da prova. Agora, o fisco pode decidir taxar em 60% um rendimento que considera ser injustificado e isso já não seria a inversão de coisa nenhuma.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Se o PS insistir nessa proposta, já estamos a ver o resultado. O fisco, que passa a ser parte interessada no enriquecimento injustificado, taxa um contribuinte em 60% e, segundo se anuncia, comunica tal facto ao Ministério Público. Mas, como não existe o crime de enriquecimento injustificado, o processo é arquivado e o contribuinte processa o Estado por ter sido taxado ilegalmente e exige a devolução dos 60%, acrescidos de juros de mora.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — Mas esta proposta cria ainda mais dois problemas ao PS: primeiro, ter de defender publicamente uma proposta que é imoral e que não tem pés nem cabeça; segundo, ver deitado por terra o argumento da inversão do ónus da prova, que utiliza para se opor à criminalização do enriquecimento ilícito.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — E que até o Dr. Vital Moreira, na ânsia de defender a proposta do Governo, já veio reconhecer que a consideração da ilicitude do enriquecimento injustificado não é tão inconstitucional como parecia.
Estamos todos, portanto, confrontados com as responsabilidades que decorrem das nossas opções políticas. E estão hoje duas opções em confronto. A Assembleia da República tem a oportunidade de aprovar