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12 | I Série - Número: 071 | 24 de Abril de 2009

«A história que se segue é um caso de sucesso» — estou a citar, com a devida vénia, um artigo constante do último número do semanário Expresso. «O rapaz nasceu numa família pobre, cresceu num ambiente difícil, mas conseguiu acabar os estudos numa universidade. Tornou-se professor e mais tarde político numa autarquia. Aos 50 anos, reformado do ensino, mas ainda activo na política, tem casas, terrenos, carros e barcos. Olhando com mais atenção, a mesma história poderia ser um caso de polícia: o valor do património do autarca está muito acima do que seria possível adquirir com o seu vencimento mensal. A situação, que é real, foi investigada, mas o processo acabou arquivado por não ter sido provado qualquer crime por parte do político. Que está a construir uma nova casa.» Acabei a citação e é assim que acaba a história.

Vozes do PCP: — Bem lembrado!

O Sr. António Filipe (PCP): — É mesmo de histórias destas que estamos a falar, Sr. Presidente e Srs. Deputados. O objectivo do PCP, ao propor a tipificação do crime de enriquecimento ilícito, é impedir que histórias como esta tenham um final feliz para os corruptos.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Há muitos anos que esta Assembleia discute a corrupção e os meios para a combater. Em Fevereiro de 2007, foram aqui discutidas 14 iniciativas parlamentares no âmbito do que ficou conhecido como o «pacote da corrupção». Todas as iniciativas baixaram sem votação para poderem ser objecto de discussão na especialidade. Foi promovido um colóquio parlamentar sobre o combate à corrupção, com a participação de eminentes personalidades nacionais e estrangeiras. Mas, um ano depois, quando se concluiu a apreciação na especialidade de todos os diplomas, o resultado foi uma tremenda decepção. Não que os sete artigos aprovados fossem negativos, mas porque o que foi aprovado ficou muitíssimo aquém das expectativas que foram criadas.
O processo legislativo sobre a corrupção que correu nesta Assembleia entre 2007 e 2008 foi uma oportunidade perdida, não correspondeu às expectativas criadas, não prestigiou a Assembleia da República, não deu o contributo legislativo que se impunha para dar combate a comportamentos criminosos que minam a credibilidade do Estado democrático. E isso aconteceu porque não houve da parte da maioria do Partido Socialista a abertura para aprovar propostas vindas de outros grupos parlamentares, e mesmo de Deputados do seu grupo parlamentar, que teriam um impacto real no combate à corrupção e à criminalidade de colarinho branco.
De então para cá, a preocupação com o fenómeno da corrupção não diminuiu. Bem pelo contrário. O sentimento de impunidade de corruptos e corruptores não só se manteve como se agravou. A ideia de que a lei é dura para com os fracos, mas ineficaz para com os poderosos, é uma convicção que se generaliza e que mina a confiança nas instituições políticas e judiciárias.
Diz-se, com muita frequência, que não é por falta de leis ou por deficiências destas que a justiça fica por fazer. Em alguns casos, isso é verdade, mas não é verdade neste caso.
É hoje uma evidência que os tipos de crime estabelecidos na nossa lei penal são insuficientes e inadequados para permitir a eficácia da dissuasão e da punição do fenómeno da corrupção no exercício de funções públicas. A ocultação dos actos de corrupção por conluio entre os corruptos e os corruptores, limpando quaisquer vestígios da prática de crimes cujas vítimas são os cidadãos em geral, que pagam com o seu dinheiro o favorecimento de uns e o enriquecimento de outros, exige soluções legislativas que não se conformem com a continuação impune do actual estado de coisas.

O Sr. Jorge Machado (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — A criminalização do enriquecimento ilícito dos titulares de cargos públicos é uma exigência de transparência democrática e é um instrumento indispensável para impedir de facto que o exercício de funções públicas possa ser usado para enriquecer de forma ilegítima e imoral, à sombra de dispositivos legais punitivos que se revelam quase totalmente ineficazes.
Os argumentos que têm sido opostos às propostas de criminalização do enriquecimento ilícito não têm razão de ser. O argumento do eleitoralismo nem sequer é argumento, até porque, se 2009 é ano de eleições, no ano de 2007, em que estas propostas foram debatidas pela primeira vez, não houve eleição alguma. A questão, portanto, tem de ser posta ao contrário. Não é o facto de haver eleições que nos faz apresentar esta proposta, mas já é o facto de haver eleições que faz com que, porventura, seja mais embaraçoso rejeitá-la.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

O Sr. António Filipe (PCP): — Um outro argumento tem sido a escassa difusão deste tipo de crime no direito comparado. Também não é argumento. Se é verdade que a maioria dos Estados não adoptou ainda essa solução no seu Direito Penal, porventura porque não sentem essa necessidade ou porque lhes falta