55 | I Série - Número: 001 | 16 de Setembro de 2010
Continuados é o facto de ela não constituir de maneira nenhuma uma prioridade para este Governo do Partido Socialista, para esta Ministra do Partido Socialista e para este Ministério da Saúde. Ou seja, os cuidados continuados não são considerados uma prioridade e, portanto, o seu desenvolvimento fica comprometido e vai-se enviesando! Disse a Sr.ª Deputada Galriça Neto que os cuidados paliativos eram um «parente pobre». Gostava de convocar aqui — é minha obrigação por muitos anos de trabalho com estas pessoas — o «parente paupérrimo», que são as demências. É bom que o Parlamento saiba que há 150 000 portugueses afectados por demências, 80% dos quais por doença de Alzheimer. Para estes 150 000 portugueses, que valem tanto como quaisquer outros 150 000 portugueses, para nós têm de valer exactamente o mesmo, não há qualquer resposta, porque caíram nesta tremenda armadilha de terem sido retirados da área da saúde mental e de terem ficado na rede de cuidados continuados. Esta rede, que lhes devia dar resposta, não dá. São «parentes paupérrimos», porque não há apoio domiciliário, não há centros de dia, nem há camas. Em termos numéricos, ficaríamos com uma expressão muito reduzida.
A questão que temos de colocar é a de saber se os dois projectos de lei em discussão representam um passo em frente ou uma marcha atrás. Digo isto precisamente pelo respeito que o tema a todos nos infunde e pelo respeito que temos, nesta bancada, pelos proponentes desta lei.
A rede actual — lembro — é a primeira e a única que assenta num conceito integrado, quer na vertente da saúde, quer na da segurança social, o que constituiu um ganho enorme. Por que é que foi um ganho enorme? Porque não é possível, num País envelhecido, num País pobre, num País com um crescente número de doentes crónicos, num País com famílias ultra-sobrecarregadas e de fraquíssimos recursos, dissociar estes dois aspectos. Chamo a atenção do Parlamento para este facto, porque esta é a realidade que conheço, que muitos conhecem e que, por mais empolgante que este debate seja, não podemos escamotear, pelo que importa falar em nome deles.
O conceito desta rede está correcto, mas a sua aplicação tem vindo a ser pervertida. Questão diferente é a aplicação ter sido pervertida e o conceito estar incorrecto. Vejo que há uma grande angústia porque a rede não cresce. No entanto, não percebo: se ela crescesse passaria a ser boa?! É uma dúvida que tenho.
Que implicações têm estes projectos de lei? Algumas delas não interessam nada — o Plano Nacional de Saúde, o Plano Nacional de Cuidados Paliativos podem ser alterados, não são nenhuns dogmas — , mas a eventual criação de uma outra rede sobreposta à actual compromete definitivamente os cuidados continuados em Portugal. Quero também deixar-vos esta mensagem.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (PSD): — É a minha profunda convicção e é, neste momento, quero dizê-lo, a minha profunda aflição.
O que criam estes dois projectos de lei? Criam um conjunto de boas intenções — digo-o sem qualquer ironia. Não tenho qualquer dúvida sobre a boa-fé dos seus proponentes. Mas trata-se de boas intenções que, curiosamente, são entregues à voragem burocrática de novas estruturas, de novas comissões, de novas equipas, de novos coordenadores e de novos reportes hierárquicos. Ou seja, muda o modelo, mas transferemse todos os problemas e, digo eu, como se transferem para um novo modelo que nem sequer está testado, provavelmente nem terão solução.
O que é que estes projectos de lei destroem? Para além dos cuidados continuados, destrói um valioso conceito integrado, que ç substituído (e eu sei que há dois mçdicos nesta Sala, e eu não sou mçdica») por algo que já não se usa, que é uma visão exclusivamente de saúde, sendo totalmente abandonada a vertente social.
Há também um grande desperdício: já não falo de dinheiro, falo do esforço, da capacidade das pessoas de acreditarem que a actual rede era uma resposta para os doentes e para as famílias e também para os profissionais que abraçaram o trabalho nesta rede como sendo uma componente digna do Serviço Nacional de Saúde.
Qual é a garantia do êxito destes projectos de lei? Penso que nenhuma. Pelo contrário, há uma armadilha enorme: vão criar um álibi, que, hoje, oferecemos «de bandeja» à Sr.ª Ministra da Saúde, caso os projectos de lei sejam aprovados. A pretexto da criação de uma nova rede por cima da actual, que está num estado