30 | I Série - Número: 017 | 22 de Outubro de 2010
que a profunda crise que o País atravessa nada tem a ver com as políticas económicas que, ao longo dos últimos anos, defenderam. É vê-los agora a «tirar o cavalinho da chuva»! É vê-los propor que se discuta a saída do País do euro! É vê-los descobrir que o problema do País não é o défice orçamental mas, sim, a dívida externa! Foi assim que, por estes dias, Vítor Bento, apresentou um livro, O Nó Cego da Economia, onde, entre outras coisas importantes e outras menos acertadas, refere a seguinte conclusão: «o sector transaccionável perdeu, em duas décadas, um valor equivalente a 15% do PIB, o que significa que foi este o valor que o sector não transaccionável ganhou». Isto é: a banca, os seguros e as empresas do sector energético, das telecomunicações, da construção civil e imobiliário e das auto-estradas apropriaram-se de qualquer coisa como 24 000 milhões de euros da generalidade dos sectores produtivos — agricultura, pescas, indústria e a imensa maioria das pequenas empresas dos sectores exportadores.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Quais as políticas que conduziram e permitiram tal coisa? As políticas de privatização e liberalização de sucessivos governos, com a «bênção» da União Europeia, e as políticas que criaram na banca, na energia, nas telecomunicações, nas auto-estradas, na distribuição, no papel, nos cimentos, no tabaco, etc., poderosos grupos monopolistas ou, se quiserem, oligopolistas privados, impondo preços e condições de monopólio, sempre, sempre com o Governo ao lado, a esmifrar o cidadão, as PME, os sectores produtivos e os sectores exportadores.
Como diz Vítor Bento: «Tornámos a rentabilidade do sector não-transaccionável excessivamente elevada por razões artificiais»! Um exemplo notável desta situação é o que se passa no sector da energia: Em Junho, o Governo liberalizou o sector do gás natural para consumidores não-domésticos, o que se traduziu numa brutal subida da factura energética de inúmeras empresas de 10% a 20%, nomeadamente no sectores do têxtil e da cerâmica, factura essa que, a partir de Janeiro, vai ser acrescida pelas taxas de utilização do solo, transferidas integralmente para os clientes, a que acresce o risco de algumas empresas poderem ficar sem fornecedores a partir de 1 de Março.
Em Setembro, o Governo faz o mesmo para a energia eléctrica. A ERSE veio agora propor que cerca de 4,8 milhões de clientes do consumo doméstico tenham um aumento de 3,8%, valor largamente superior à prevista taxa de inflação de 2,2%. O escândalo não desaparece pelo facto de cerca de 666 000 consumidores no âmbito de uma futura tarifa social irem ter apenas um aumento de 1%.
As tarifas para a generalidade das empresas são liberalizadas, mas, face ao sucedido para o gás natural, tudo indica que haverá subidas significativas, como, aliás, já aconteceu este ano no mercado liberalizado.
A ERSE justifica as subidas com os argumentos de sempre, onde avultam os incentivos às renováveis, de 1000 milhões de euros, mas acrescenta este ano, a remuneração da «Garantia de Potência», que representará cerca de um ponto percentual da subida anunciada.
Este novo contributo para o aumento das tarifas, a ser pago por todos os consumidores, resulta de recente portaria e significará uma transferência directa para os lucros dos centros electroprodutores em regime ordinário, isto é, para os lucros da EDP, da Iberdrola e companhia, que ganharão «a dois carrinhos»: primeiro, como produtores de renováveis e, segundo, como há renováveis, é necessário garantir a potência, e, logo, mais ganho.
E nos combustíveis a «cara continua a não dizer com a careta», isto é, com a evolução do Brent. Portugal teve, no 1.º semestre do ano, preços da gasolina e do gasóleo, antes de impostos, superiores à média da União Europeia. Na gasolina, só dois países (Dinamarca e Itália) e, no gasóleo, só três (Grécia, Finlândia e Itália) tinham preços médios, antes de impostos, maiores que os portugueses.
O escândalo dos preços e tarifas da energia em Portugal é maior quando os confrontamos com os lucros fabulosos dos operadores. Os aumentos acontecem depois de a EDP ter, no primeiro semestre de 2010, obtido o lucro de 565 milhões de euros, mais de 18%, e depois de a Galp ter obtido o lucro de 260 milhões de euros, mais de 90% do que no ano passado no mesmo período.
Há quem, perante o escândalo, tente garantir que os lucros obtidos nada têm a ver com a sua actividade no País, isto é, com os preços a que vendem os seus produtos no mercado nacional. Mas então porque é