5 DE ABRIL DE 2014
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Até parece que, na condução da política do País, não há Constituição mas só o livre arbítrio político do
Governo!
6 – A inconstitucionalidade existe sempre que a lei ordinária contraria ou não estabelece o que a
Constituição obriga, inclusive nos casos em que, expressa ou sub-repticiamente, esvazia o conteúdo dos
institutos jurídico-administrativos estabelecidos na Constituição, para além de todo o razoável (isto é,
postergando princípios do Estado de direito democrático, como os da proporcionalidade e proibição de
excesso). Ora, foi isso que ocorreu no caso do governador civil (incluindo as competências de tutela e o
conselho consultivo).
Manifesta inconstitucionalidade!
7 – Agora, com esta proposta de lei n.º 212/XII (3.ª), a propósito da assembleia distrital, a proposta do
Governo e a deliberação da Assembleia da República seguem um trilho idêntico, como foi, aliás, divulgado em
declarações públicas dos seus fautores.
Menos gravoso, porém, diga-se por justiça.
Na verdade, desta vez reconhece-se o imperativo constitucional, como honrosamente consta da exposição
de motivos da proposta de lei n.º 212/XII (3.ª), e o articulado mantém a existência de minimis da assembleia
distrital, se bem que expurgando-a de todo o seu conteúdo ativo.
Porém, os proponentes não resistiram a, num passe de arrogância, denunciar o seu propósito
verdadeiramente extintivo ao estabelecerem no artigo 11.º que as assembleias distritais «extinguem-se
automaticamente (…) em caso de revisão constitucional por força da qual seja revogada a imperatividade da
respetiva existência», como se o legislador ordinário devesse ou pudesse dar ordens ou instruções ao
legislador constituinte!
8 – A justificação lançada pelos promotores da «morte» do distrito, do governador civil e da assembleia
distrital é que a mesma decorre de um mero reconhecimento de uma realidade fática que é a perda de
importância destas estruturas.
Ora, este argumento, por tão capcioso, é absolutamente inaceitável!
A verdade é que o poder político, incapaz de ter instituído, por longos 38 anos de Constituição, regiões
administrativas, veio procurando estabelecer divisões administrativas esdrúxulas, normalmente saídas do
poder executivo, à margem da Constituição.
Parece que a ideia é criar um facto consumado a partir do executivo: esvaziar o distrito e instituir de facto
outra divisão territorial (há várias hipóteses, mas a mais usada tem sido Nomenclatura de Unidades Territoriais
Estatísticas (NUT) e a partir de facto consumado apelar à legislação que o institucionalize.
Ora, tal procedimento é que leva ao uso a posteriori do argumento cândido de que as estruturas distritais
(antes cuidadosamente esvaziadas) não se justificam.
É, portanto, fazer primeiro o mal e depois a caramunha!
Este procedimento não é só inaceitável no plano da seriedade política como enferma de um desrespeito
manifesto da Constituição.
9 – No fundo, tudo isto ocorre porque o poder político (insuflado por fortes grupos de interesses fáticos
político-administrativos, como os instalados nas CCDR) nunca conseguiu instituir as regiões administrativas
porque nunca foi capaz de se adoçar ao sentimento do povo.
Assim, o caminho estabelecido na Constituição, o único legítimo, tem sido violado e substituído por vias
ínvias, sub-reptícias, extraconstitucionais.
Ora, a conduta política de proceder, mesmo contra a Constituição, segundo os interesses ou ideias que
alguns julgam convir, não pode ser caminho a seguir. E é nisso que temos estado!
A proposta de lei enferma de vários aspetos que podem ser questionados mas a petição de princípio,
acima assinalada e fundamentada, é suficiente — e mais relevante — para justificar esta tomada de posição
política.
10 – Finalmente, quanto ao projeto de resolução n.º 947/XII (3.ª), do PCP, parece-nos apenas uma
iniciativa política remetendo ao Governo uma recomendação vaga e indeterminada.
Aliás, é curioso que o PCP, apesar do seu discurso, não votou contra a proposta de lei n.º 212/XII (3.ª), do
Governo.