I SÉRIE — NÚMERO 4
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que é certo que abrange mulheres e homens, mas também é certo que desproporcionalmente continua a
afetar mais as mulheres.
No limite, o que acontece, é que o homicida, por ausência de ação de indignidade que, como sabemos,
está prevista no Código Civil e, muitas vezes, exatamente porque ele próprio é o único herdeiro, pode vir a
herdar os bens da vítima.
Assim, atribui-se, por esta iniciativa, ao juiz criminal a possibilidade de declarar na sentença condenatória,
nos casos de homicídio doloso — e isto de forma coerente com o que está previsto no quadro do Código Civil
— a indignidade sucessória do condenado.
Ora, reconhecendo que o juiz poderá não o fazer — é uma mera possibilidade, nomeadamente se não
estiver munido de factos que o levem a esse fim —, procede-se a uma alteração coerente, articulada, ao nível
do Código Civil, exatamente no sentido de manter aberta a porta à via de ação cível para esse efeito.
Portanto, nos casos em que a indignidade não tenha sido decretada, estabelece-se, assim, a
obrigatoriedade de que tal condenação seja comunicada ao Ministério Público, por um lado, enquanto que, por
outro, se confere ao Ministério Público legitimidade para intentar a ação de indignidade, nos casos em que o
único herdeiro seja o sucessor afetado pela indignidade.
Naturalmente que a central motivação subjacente a estas iniciativas — o crime de homicídio em casos de
violência doméstica — não se compraz apenas com iniciativas desta ordem, que, no fundo, vão ao encontro
de uma necessidade de justiça social, como muito bem referiu a Sr.ª Deputada do Partido Socialista.
Por isso mesmo, e não obstante ser o meu dever reconhecer que muito está a ser feito e todos nós bem o
sabemos, é fundamental, no mesmo sentido e com o mesmo grau de preocupação, reconhecer aqui a
necessidade de se aprofundar o estudo deste fenómeno, de identificar as suas causas, as suas motivações,
não apenas a título de curiosidade científica, mas pela real necessidade de acrescentar pesquisa e informação
útil em tarefas de ordem prática da maior importância, como seja a avaliação do risco, o trabalho com os
agressores — muito importante —, a maior capacidade de proteger a vítima, pela efetiva necessidade de
garantir uma maior eficácia na sua prevenção.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe,
do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Em breves palavras, queríamos, em
primeiro lugar, saudar as iniciativas legislativas aqui apresentadas sobre esta matéria e, naturalmente, saudar
os autores por terem, tomado estas iniciativas com que nós, evidentemente, estamos de acordo. Quer-nos
parecer que se trata da reparação de injustiças que podem ocorrer.
De facto, não faz o mínimo sentido admitir que alguém que tenha sido condenado por homicídio possa vir a
beneficiar, por via sucessória, desse mesmo homicídio que cometeu. Portanto, tem todo o cabimento que se
consagrem na lei mecanismos de reconhecimento da indignidade sucessória, para além dos casos que já
estão previstos no Código Civil, que dependem, evidentemente, da ação cível por parte de outros sucessíveis
que estejam interessados em invocar a indignidade sucessória de alguém.
Esse mecanismo é hoje manifestamente fraco para prevenir o que deve ser prevenido e para reparar essa
flagrante injustiça que pode ocorrer.
Quer-nos parecer que as iniciativas legislativas que estão apresentadas merecem consideração, mesmo
também, evidentemente, o aditamento constante do projeto de lei do PSD e do CDS relativamente ao projeto
que tinha sido anteriormente apresentado pelo Partido Socialista e que, do nosso ponto de vista, faz todo o
sentido que seja discutido porque, de facto, existe essa possibilidade. Está prevista no projeto de lei a
incumbência do Ministério Público de atuar na ação cível em situações em que não haja outros sucessíveis
que possam atuar e, portanto, ser o Ministério Público a fazê-lo, impedindo que haja a possibilidade de o
homicida vir a suceder, em termos patrimoniais, à vítima.
Também compreendemos que esta medida seja apresentada, tendo fundamentalmente em atenção os
casos de violência doméstica. Dir-se-á que não é o único caso, que há outras situações. Seguramente haverá.
Poderá haver também homens que sejam vítimas, poderá haver. Poderá haver casos em que vítima e