I SÉRIE — NÚMERO 107
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Dito isto, esclareço, porém, que a minha reserva e oposição, no caso da ILC «Direito a Nascer», e a razão
por que votaria contra o requerimento de baixa à comissão sem votação não fora a disciplina parlamentar, não
têm tanto a ver com a degradação lamentável desse expediente parlamentar mas quanto à ilegalidade com
que o expediente foi utilizado.
A questão já foi debatida, aquando de circunstância semelhante, na apreciação daquela outra iniciativa
legislativa de cidadãos, lei contra a precariedade, o projeto de lei n.º 142/XII. Compulsando o Diário
respeitante a essa sessão plenária de 25 de janeiro de 2013, vemos que todos os grupos parlamentares e a
Presidente da Assembleia da República tiveram a consciência de que estavam a pisar o risco. Por isso, PCP e
Os Verdes votaram contra, enquanto PSD, PS e CDS-PP votaram a favor, abstendo-se o BE. Mas o assunto
deveria ter sido, entretanto, melhor estudado, e não pode ter ficado como precedente, uma vez que o
procedimento, tal como foi seguido, é ilegal.
A dúvida não está, como pareceu nesse debate, sobre ser aplicável, ou não, o artigo 146.º do Regimento
também a iniciativas legislativas de cidadãos. Dúvidas não há de que isso pode acontecer, dentro dos limites
de uso moderado e apropriado desta possibilidade regimental, uma vez que está prevista para todos os
projetos e propostas de lei, sem qualquer exceção, e uma ILC é um projeto de lei como qualquer outro — a
única diferença é provir de iniciativa externa à Assembleia da República, o que também sucede com as
propostas de lei do Governo e das Assembleias Legislativas Regionais. Não é, portanto, necessária qualquer
interpretação analógica ao abrigo do artigo 14.º da lei reguladora da iniciativa legislativa de cidadãos (Lei n.º
17/2003, de 4 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2012, de 24 de julho), como pareceu
transparecer do debate ocorrido sobre essa outra ILC, em 25 de Janeiro de 2013.
O problema é outro, e alguém se lembrou também dele, já nessa altura. A Presidente da Assembleia da
República deu conta, na verdade, quanto ao requerimento relativo a esse projeto de lei n.º 142/XII, de que
«chegou à Mesa a informação de que o primeiro subscritor da iniciativa terá sido contactado pelos requerentes
relativamente a esta hipótese» — nova baixa à comissão sem votação —, embora tendo, depois, apreciado,
mal, que «ainda assim, devo dizer que é entendimento da Mesa que não seria necessário».
Na verdade, em bom rigor, não se trata do «primeiro subscritor», que não releva para nada, mas trata-se
da comissão representativa da iniciativa legislativa de cidadãos, que, nos termos do artigo 7.º da respetiva lei,
a representa para tudo e, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea d), está expressamente nomeada e identificada
nas folhas de subscrição como requisito essencial de validade.
O n.º 2 do artigo 7.º da Lei não pode ser mais claro e imperativo: «A comissão» (representativa) «é
notificada de todos os atos respeitantes ao processo legislativo decorrente da iniciativa apresentada ou com
ele conexos, podendo exercer junto da Assembleia da República diligências tendentes à boa execução do
disposto na presente lei.»
É por esta razão que foi ilegal a aprovação do requerimento de baixa à comissão sem votação do projeto
de lei n.º 790/XII — Lei de apoio à maternidade e paternidade pelo direito de nascer (Iniciativa legislativa de
cidadãos)
O mesmo, aliás, já havia acontecido com o projeto de lei n.º 142/XII, em janeiro de 2013, mas uma
ilegalidade não constitui precedente para prosseguir em novas ilegalidades.
A leitura conjugada do artigo 146.º do Regimento e do artigo 7.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, com as
alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2012, de 24 de julho, exige que o requerimento de baixa à comissão
sem votação tenha de ser acompanhado da expressa «anuência do autor» (exigência regimental), a qual pode
e deve ser obtida junto da comissão representativa da ILC.
É isto que não foi feito. E tinha que ter sido.
Este requerimento foi o último sinal (ou talvez o penúltimo) do recorrente distrate com que, de forma
prevalecente, a iniciativa legislativa de cidadãos «Lei de apoio à maternidade e paternidade pelo direito de
nascer» tem vindo a ser tratada nesta Legislatura, com exceção, a espaços, da intervenção procedimental da
Presidente da Assembleia da República.
O assunto queima — e, como queima, esconde-se, evita-se, adia-se, ignora-se ou ataca-se.
O debate em Plenário foi evidência disso mesmo. Por um lado, tratando-se de matéria que toca com
direitos fundamentais, foi espartilhada na grelha de tempos menos relevante (3 minutos a cada um e mais 1
minuto a autores, talvez com a cobertura formal do chamado «processo legislativo comum»), podendo, pois,
concluir-se que, em Portugal, faz-se um aborto a cada 30 minutos e o Parlamento tem ainda menos tempo