4 DE JULHO DE 2015
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execução da pena ou ainda pelas exigências da prevenção geral, acolhidas, desde logo, no direito
fundamental à segurança, consagrado no artigo 27.º, n.º 1, da nossa Lei Fundamental.
Serão decerto excessivas, e não conformes à garantia constitucional, as imposições ou restrições
relativamente aos condenados que não se justifiquem à luz daqueles efeitos e revelados nas próprias
circunstâncias que emergem da natureza dos factos e das particulares circunstâncias que deram causa à
condenação. Na verdade, nem todas as circunstâncias que poderão decorrer da prática de um crime objeto da
proposta de lei poderão configurar abstratamente o fautor do mesmo como agente futuro de outros ilícitos da
mesma natureza e ainda que à ordem jurídica se torne insustentável e inadmissível que o autor do crime
reincida.
Todavia, em contraponto, afigura-se dado evidente que, em grau progressivo, se vem afirmando uma nova
consciência na área jurídico-penal que não apenas revela mas também faz urgir o interesse da sociedade não
apenas na punição do criminoso mas ainda a emergência de autonomização de diferentes ramos de direito
substantivo que provejam para distintos bens jurídicos e espaços sociais em que se refletem e projetam as
relações da vida juridicamente vinculantes, isto é, a consideração no plano legislativo de uma «intrínseca
legalidade própria» que corresponda à necessidade específica de proteção e regulação de cada um daqueles
bens fundamentais.
Essa nova consciência ético-jurídica reclama hoje um direito penal «total», onde a consideração da
«vítima» tem vindo a ganhar irrecusável centralidade, na finalidade específica da tutela penal quanto à
proteção dos bens fundamentais de uma comunidade, maxime, no que tange à livre realização da
personalidade ética do ser humano, nas suas distintas formas de exercício da liberdade e de garantia absoluta
dos direitos fundamentais, nas suas várias afigurações e modos de exercício.
Esta mesma rutura com o tradicional direito penal «total» ressalta, desde logo, da «ultrapassagem» quanto
ao disposto relativamente às garantias asseguradas ao arguido em processo penal e ainda do consagrado no
n.º 7 do artigo 32.º da CRP, onde se dispõe que o «ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos
da lei», mas nenhuma referência é feita à vítima de um crime, objeto, agora, de específica e autónoma
valoração e regulação no âmbito do direito penal «total».
Daí também que, no plano do direito constituendo, mas também já constituído, tenham vindo a revelar-se e
a afirmar-se modernas correntes do pensamento que exigem uma mais atenta consideração do lesado e que
colocam ao lado da criminologia a vitimologia, reclamando justamente uma mais atenta consideração da
pessoa do lesado, isto é, um pensamento protetivo da pessoa da vítima com as inerentes particularidades que
o direito penal e processual penal, a essa luz, deverão acolher: a consideração do dano não coincidente com
os tradicionais critérios jurídico-civis (vg. sobrelevando agora as medidas restauratórias, reclamadas pela
justiça, à mera fixação de um «quantum» indemnizatório); a ideia de que também a comunidade é
corresponsável pela comissão de crimes que abalam os seus fundamentos e os seus valores matriciais e que,
por isso, se deve corresponsabilizar pelos danos sofridos pelos seus membros por efeito de uma ação penal; a
criação de fundos públicos especiais que, em certas circunstâncias e condições, assegurem o cumprimento da
indemnização; a integração na justiça restaurativa, em algumas dimensões, no quadro da Segurança Social ou
seguros sociais; na criação autónoma de novas categorias conceptuais como sucede com o conceito de
«vítima» e seu estatuto, a sua autónoma consideração e a sua inserção na legislação processual penal;
intensificação das medidas adotadas no âmbito da prevenção, por forma a que a comissão do crime não se
verifique, etc.
Matéria que, entre nós, deu origem a um novo título — IV — do Código de Processo Penal, objeto de uma
proposta de lei já aprovada na generalidade, que se encontra em fase de discussão na especialidade, em
sede da Comissão de Direitos Liberdade e Garantias, suscetível de provocar impacto relevante não só no
sistema de justiça penal mas também nos paradigmas de atuação dos operadores judiciários e policiais.
Vale dizer que se tornou presente, e com fundas repercussões ao nível do legislador, a consideração de
que a prevenção geral ganhou novas exigências no plano da ordenação penal e processual penal e que
também as relações entre o delinquente e a vítima passaram a ser sentidas como uma responsabilidade que
passou a pesar sobre todos os membros da comunidade.
Reflexo direto daquele pensamento e da sua específica e autónoma consideração num domínio onde o
reforço da confiança e da prevenção se tornaram prevalentes na defesa da prestação de serviços e proteção
do consumidor é o caso dos advogados.