I SÉRIE — NÚMERO 107
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Como é público, e diariamente se anuncia nos órgãos de comunicação social escrita, em caso de infração
disciplinar e sua punição, é levado ao conhecimento comum a identidade do infrator punido, o seu domicílio
profissional, os deveres tidos por violados e outros dados de natureza pessoal — artigos 137.º e 169.º do
Estatuto da Ordem dos Advogados.
E isto sem que se conheçam decisões dos órgãos jurisdicionais ou no domínio dos órgãos de fiscalização e
proteção dos dados pessoais que, no domínio das suas atribuições, hajam declarado ou suscitado ilegais ou
inconstitucionais as normas que obrigam à divulgação pública da sanção, por aquela forma e nas descritas
circunstâncias.
Este, seguramente, um novo paradigma fundador e legitimador da interpretação dinâmica e atualística do
princípio democrático e da referência primacialmente compreensiva dos valores fundamentais que se
explicitam na ordem constitucional.
Esta visão superadora do tradicional entendimento do direito «penal total», além do direito à liberdade e
proteção de abusos contra as pessoas, coloca em jogo a íntima conexão entre os específicos bens jurídicos
em consideração, a questão fundamental das exigências do direito à segurança, erigido em direito
fundamental pelo disposto no artigo 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e que se constitui
também como tarefa fundamental do Estado português.
No caso em apreço, a segurança das crianças e jovens que obste a que estes se possam tornar vítimas de
abusos sexuais, cujas sequelas tantas vezes, quando não sempre, se tornam de impossível restauração, à luz
da natureza e da dignidade humana.
Depois, a autonomização reclama novas formas de supra ordenação, na escala de valores plasmados em
sede constitucional. Essa reordenação no plano da supra-infra ordenação, também intra constitucional,
evidencia-se com acuidade crescente quando a consciência ético-jurídica assume mais intensamente a defesa
de bens jurídicos infrangíveis, máxime, quando em presença daqueles que estruturam o núcleo da identidade
pessoal e, de modo comum, os que reclamam um dever geral e absoluto de abstenção. É manifestamente a
situação objeto do texto legal em análise.
É esta multiplicidade normativa que, no entendimento dos signatários, deverá ser considerada no
diagnóstico de conformidade das medidas objeto da proposta de lei com a sua referência de validade
constitucional. Os princípios, valores e a preservação e defesa dos bens jurídicos que estelam a iniciativa
legislativa em apreço assumem-se como bens jurídicos fundamentais que exigem a sua estrénua defesa, à luz
das circunstâncias e da confiança suposta pela ordem pública e pela «genética da Humanidade», tal como se
considera no estádio civilizacional que nos determina.
É, pois, na consideração de uma autónoma nova base legitimadora e de novos critérios de validade
material incorporados nos valores erguidos à dignidade fundamental (que arrancam do cumprimento de
direitos fundamentais erigidos na salvaguarda de bens cruciais à ordem social, os quais importa defender e
salvaguardar) que importa tornar presentes e ponderar. Assim como as penas, a sua natureza e sentido, e
outras medidas que garantam a defesa dos bens jurídicos nucleares que a sã consciência e a comunidade
jurídica elevaram à suprema dignidade e defesa, assim com as crianças e a sua estrénua defesa contra
abusadores sexuais.
Neste sentido se entende que a compreensão dos valores essenciais da comunidade levados à dignidade
constitucional, considerados numa perspetiva dinâmica, global e plurissistémica, se mostram suscetíveis de
assimilar e de compreender na sua ordenação supralegal as medidas que obtiveram agora consagração legal.
Haja em vista o entendimento sufragado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e as suas correlatas
exigências, assim como o quadro normativo de que parte para fundamentar as suas decisões, que se
constituem, à luz da «constitutionmultilevel» vinculante para as ordens jurídicas a ele sujeitas. Desse quadro,
parece não se afastar o diploma em apreço. Antes, com as suas decisões tomadas sobre as matérias em
apreço, parece conformar-se.
A diferenciada aceleração contínua dos meios de sedução e de exposição das crianças a perigos que
destroem a sua «vida», ou são suscetíveis de a lesar irremissivelmente, em distintos planos, reclama hoje,
com exigência e intensidade crescentes, o uso de meios legais que punam e dissuadam, no plano crucial da
prevenção geral, a comissão de crimes e abusos como aqueles que, no diploma em mérito, são objeto de
previsão.
O incremento e a eficácia da prevenção, nesta particularíssima sede, reclama um novo paradigma de
atuação dos operadores judiciários e policiais e esforços planeados e coordenados ao nível da adoção de