4 DE MARÇO DE 2017
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ideia e a política de uma Europa a duas velocidades, não é de espantar, Srs. Deputados, que exista uma falta
de identificação por parte dos cidadãos europeus sobre o projeto europeu. Não cai do céu, e tem uma explicação
muito concreta, tem a ver com as medidas de austeridade que têm sido seguidas exatamente ao longo dos
últimos 10 anos.
E no meio desta crise económica e financeira surge aquela que já se denomina como a «maior crise
humanitária desde a II Guerra Mundial».
Ora, isto pôs em causa os supostos valores por trás da criação do projeto europeu: a solidariedade, a
fraternidade, a igualdade. E também colocou a nu as tensões, as desigualdades e o recrudescimento de
movimentos xenófobos e racistas.
No entanto, grande parte da resposta europeia a estes problemas reconhecidos por todos e todas foi no pior
sentido:
Quando se apresenta como principal prioridade o fechamento das fronteiras externas e um aumento
significativo do controlo nas fronteiras internas (caso da troca de informações entre polícias);
Quando se coloca no topo das medidas o caminho para um reforço de cariz militar e de cooperação com a
NATO, que é um bloco militar;
Quando se fazem acordo com países terceiros, que não consideramos seguros para nós, europeus, mas é
para onde enviamos quem pede asilo à Europa — é o caso gritante do acordo feito com a Turquia há cerca de
um ano, em que inclusivamente já há casos de pessoas que pediram o estatuto de refugiado e que foram
recolocadas na Turquia, o que não estaria sequer incluído nesse acordo, pelo que o mesmo não está a ser
cumprido e está a desrespeitar as regras do direito internacional, e é também o caso da Líbia, que se prefigura
nas negociações como o próximo país com quem se pretende fazer um acordo semelhante, sem garantias de
segurança para os refugiados e os requerentes de asilo;
Quando, na prática, se fecha os olhos ao que se passa em países como a Hungria e não há avanços
significativos na ajuda efetiva a mecanismos de apoio humanitário e de acordo com o direito internacional, e se
fala sempre na necessidade de acelerar os processos de recolocação, mas poucos países europeus estão a
arcar com esses esforços — não é demais lembrar que há países que recusam aceitar qualquer pessoa que
tenha o estatuto de refugiado ou seja requerente de asilo e também não é demais lembrar que aqui, em Portugal,
os partidos de direita têm uma relação no Parlamento Europeu com partidos desses mesmos países.
Quando este é o caminho preferido pelas instituições europeias apenas se está a aprofundar e a dar força
ao crescimento da xenofobia e do racismo, agudizam-se tensões e, no final, falha-se no essencial: na resposta
devida aos milhares de pessoas, homens, mulheres e crianças, que fazem de tudo para sair dos seus locais de
origem e virem para a Europa, onde o que os espera hoje é um processo burocrático sem fim de pedido de asilo,
ou o retorno a países como a Turquia — onde, diga-se, não estão a ser cumpridas regras mínimas de respeito
pelos direitos humanos —, ou o ataque violento nas fronteiras com determinados países. Ainda nesta semana
a Hungria indicou que vai erguer mais um muro de arame farpado na fronteira com a Sérvia.
Portanto, hoje, a Europa é o local onde refugiados e migrantes se deparam com muros e vedações. E desviar
a atenção deste facto com acordos ou medidas pouco efetivas é querer desviar a atenção de si mesmo, é querer
não olhar de frente para os desafios que o projeto europeu, passadas tantas décadas, ainda tem pela frente.
Por isso pergunto, Sr. Ministro: considerando que a linha política seguida pela Presidência maltesa não difere
das anteriores presidências nem da linha política europeia no geral, quando se pode esperar que a União
Europeia deixe de lado políticas securitárias e militaristas e quando vai deixar de ignorar o que se passa no seu
próprio território, nomeadamente na Grécia, na Itália e também em Malta, para dar lugar a políticas humanitárias,
de acolhimento integral de quem pede auxílio e asilo, condenando com maior efetividade movimentos racistas
e xenófobos?
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Vitalino
Canas.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Secretário de
Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje o programa e as prioridades da