I SÉRIE — NÚMERO 58
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de direitos fundamentais, mediante o recurso a instrumentos que lhes assegurem o máximo controlo da sua
vida.
Esta doutrina veio a ser incorporada quer em atos, quer em recomendações de várias organizações
internacionais de que Portugal é parte, nomeadamente as Nações Unidas e o Conselho da Europa, e integra,
entre outros princípios, o do respeito pelos direitos humanos, o da flexibilidade na resposta jurídica, o da máxima
preservação da capacidade, o da prevalência dos interesses e do bem-estar da pessoa, e o do respeito pelos
seus desejos e sentimentos.
A dignidade da pessoa diminuída na sua capacidade jurídica e a defesa dos direitos fundamentais que
continua a titular impõem, pois, a adoção de um modelo construído sob o signo da alternativa menos restritiva
e este modelo é o do maior acompanhado, que resolve de forma adequada a tensão entre a autonomia e as
necessidades de proteção.
No modelo do maior acompanhado a tutela é instrumentalizada através de um único instituto jurídico,
recusando-se, quer na definição dos pressupostos, quer da consequência que se deve associar à diminuição de
capacidade, qualquer efeito estigmatizante.
Limita-se a intervenção ao mínimo essencial, preservando-se, em toda a extensão possível, a capacidade
de autodeterminação que a pessoa ainda titula, apenas se admitindo a representação — substituição — nos
casos em que a pessoa não disponha de competência para formar a sua vontade ou para a exteriorizar.
A pessoa é apoiada de modo a que possa manifestar a sua vontade com a ajuda de outrem, orientado,
objetiva e subjetivamente, pela defesa da autonomia e dos interesses do acompanhado.
Neste instituto a intervenção orienta-se pelo princípio da capacidade e não pelo princípio contrário, não pelo
princípio da incapacidade.
O conteúdo do acompanhamento é determinado pelo concreto grau de incapacidade de que o acompanhado
é portador, devendo a sentença que o decreta, definir, com precisão, o âmbito do acompanhamento sem
vinculação ao pedido.
O apoio na tomada de decisões é variável, quer na forma, quer na intensidade, de modo a corresponder às
concretas necessidades da pessoa que dele necessita.
Na definição dos pressupostos do acompanhamento — e este é um aspeto relevante — na impossibilidade,
por razões de saúde ou pelo seu comportamento, de a pessoa maior exercer pessoal e conscientemente os
seus direitos ou cumprir os seus deveres, acompanhamos a tendência não formalista da moderna metodologia
jurídica, sendo que a ponderação e a razoabilidade, que são elementos indispensáveis à concretização destas
cláusulas e conceitos relativamente indeterminados, tornam-se importantes parâmetros de decisão.
Abandona-se, assim, a contraposição radical entre a deficiência mental e as deficiências de outra natureza,
numa atitude legislativa mais consentânea com a dignidade da pessoa humana.
A atuação do acompanhante é submetida a um controlo judicial mais intenso, quer do juiz, quer do Ministério
Público, exigindo-se a intervenção do tribunal sempre que estejam em causa atos de particular importância ou
que os interesses do acompanhante e do acompanhado se mostrem conflituantes.
Sr.as e Srs. Deputados, o maior acompanhado é um instituto em que se identificam princípios de
proporcionalidade, de subsidiariedade, de necessidade, de flexibilidade procedimental e de controlabilidade.
Optou-se pela inserção sistemática e harmónica do instituto no Código Civil e não pela aprovação de um
diploma dedicado, exclusivamente, ao estatuto das pessoas com capacidade diminuída, uma vez que isso
implicaria a assunção de uma separação formal nítida entre cidadãos, violadora da sua radical igualdade, e
suscetível de alimentar sentimentos de discriminação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O grau civilizacional de uma sociedade mede-se também pela ética
do cuidado com que trata os mais vulneráveis, seja qual for a causa da vulnerabilidade. O instituto do maior
acompanhado é concebido como uma resposta estruturante à dignidade da pessoa humana, atento aos seus
direitos fundamentais e ordenado para assegurar a sua plena cidadania.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Ministra, estão inscritos para pedir esclarecimentos dois Srs. Deputados, um do
Bloco de Esquerda e outro do PCP. Como é que pretende responder?