I SÉRIE — NÚMERO 90
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Vozes do BE: — Muito bem!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — O debate sobre a despenalização da morte assistida, sobre a dignidade
de cada escolha e sobre a liberdade de cada pessoa, não é de agora, vem de longe e foi particularmente intenso
e participado nos últimos anos.
Sabemos hoje, como sabe o País, que tomaremos esta decisão depois de mais de dois anos daquilo que o
Sr. Presidente da República classificou como, e cito, «um debate muito participado por todos os quadrantes
político-partidários, religiosos e sociais.»
Associações, comunidades religiosas, autarquias, órgãos de comunicação social e partidos políticos
assumiram este assunto como de grande importância social e organizaram debates em todo o País.
Durante mais de dois anos, eu próprio percorri o país de lés a lés, fazendo e intervindo em debates sobre
esta matéria e, também por isso, sei que estamos hoje em condições de fazer escolhas serenas, rigorosas, sem
qualquer dramatização e com toda a coragem.
Aplausos do BE e do PS.
Sr.as e Srs. Deputados: Este é o tempo de legislar. O que cada um de nós votará no fim deste debate são
projetos que convergem no essencial, que têm um conteúdo muito preciso e não cenários inventados que não
cabem nesse conteúdo.
O conteúdo do projeto do Bloco de Esquerda é muito claro e resumo-o, citando-o, em cinco pontos
fundamentais: primeiro, ele define e regula as condições em que a antecipação da morte por decisão da própria
pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável, quando
praticada ou ajudada por profissionais de saúde, não é punível, o que significa que sempre que estas condições
se não verifiquem estaremos diante de um crime.
Segundo, o pedido de antecipação da morte apenas poderá dar origem a um procedimento clínico se for feito
por pessoa maior e capaz de entender o sentido e o alcance do pedido, o que significa que não são atendíveis
os pedidos de menores ou de doentes mentais.
Terceiro, a verificação da existência de lesão definitiva ou doença incurável e fatal e de sofrimento duradouro
e insuportável é atestada por dois médicos, que têm a obrigação de prestar ao doente toda a informação e
esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis,
designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respetivo prognóstico e assegurar que a decisão do doente
é livre e não resulta de qualquer interferência ou coação externa e ilegítima.
Quatro, é obrigatório o parecer de um especialista em Psiquiatria sempre que um dos dois médicos tenha
dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte, sendo o procedimento cancelado
e dado por encerrado se tal dúvida for confirmada.
Quinto, e finalmente, a decisão de levar o procedimento de antecipação da morte até ao fim é exclusivamente
do doente e é revogável a todo o tempo.
É isto que cada um e cada uma de nós votará daqui a pouco. Tudo o mais que o medo de alguns e o
preconceito de outros tem trazido para o debate não pode condicionar a nossa decisão livre e serena.
Como aconteceu em tantos outros momentos de alargamento dos direitos, há quem nos queira, agora,
desviar de uma decisão ponderada, ameaçando com o risco de um desvario social, traduzido em outras leis
que, dizem-nos, hão de vir.
Mas o que esses arautos do medo e esses cultores da desconfiança não dizem é que os projetos que hoje
votamos qualificam como crime todos os cenários de desvario que eles próprios, e só eles, anteveem; o que
eles não dizem é que os mecanismos de controlo que o projeto do Bloco de Esquerda e os demais projetos
consagram têm em vista, precisamente, impedir qualquer possibilidade de legitimar a antecipação da morte para
situações diferentes das que a lei acolherá.
Por outras palavras, não é sobre estas propostas que se pronunciam esses arautos do medo, pronunciam-
se sobre outras que adivinham que virão. Palpita-lhes que essas que adivinham que virão serão perversas e
querem-nos amarrar ao seu palpite e fazer do seu palpite o fundamento de uma estratégia criminal.
Cabe a cada um e a cada uma de nós escolher entre o medo de um palpite e a responsabilidade da liberdade.