22 DE SETEMBRO DE 2018
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OE, mas não abriu a exceção às entidades administrativas independentes. Na realidade, o n.º 12 do artigo 3.º
estabelece que:
«12 — Ficam excluídos do âmbito de aplicação do presente artigo o Conselho de Finanças Públicas e, bem
assim, as entidades públicas reclassificadas que não recebam transferências do Orçamento do Estado ou de
serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, cujas receitas próprias não provenham de
um direito atribuído pelo Estado, ou que apresentem nos últimos três anos custos médios inferiores a € 1 500
000.»
O OE de 2018 (Lei n.º 114/2017), da responsabilidade do PS com apoio maioritário parlamentar dos partidos
de esquerda, no seu artigo 4.º, n.º 11, consagrou norma semelhante. Contudo, reduziu o âmbito teórico das
cativações, uma vez que adicionou como exceção as instituições de ensino superior que não recebam
transferências do OE.
«11 — Ficam excluídos do âmbito de aplicação do presente artigo o Conselho das Finanças Públicas, as
instituições de ensino superior e as entidades públicas reclassificadas que não recebam transferências do
Orçamento do Estado ou de serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, cujas receitas
próprias não provenham de um direito atribuído pelo Estado, ou que apresentem nos últimos três anos custos
médios inferiores a € 1 500 000.»
Mas o princípio prevalece — quando não há lugar a transferências do OE não há lugar a cativações. Se tal
se aplica às entidades públicas reclassificadas não se percebe porque não se deve aplicar também, por maioria
de razão, à esmagadora maioria das entidades reguladoras não dependentes de verbas do OE.2
Tanto mais que a LQER (artigo 33.º da Lei n.º 67/2013) vai até mais longe ao estabelecer que:
«2 — As regras da contabilidade pública e o regime dos fundos e serviços autónomos, nomeadamente as
normas relativas à autorização de despesas, à transição e utilização dos resultados líquidos e às cativações de
verbas, não são aplicáveis às entidades reguladoras, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 — Às verbas provenientes da utilização de bens do domínio público ou que dependam de dotações do
Orçamento do Estado é aplicável o regime orçamental e financeiro dos serviços e fundos autónomos,
designadamente em matéria de autorização de despesas, transição e utilização dos resultados líquidos e
cativações de verbas.»
Ou seja, só na parcela, que em muitas entidades administrativas independentes, é mínima, dos recursos que
provêm do OE deve haver cativações.
Pode concluir-se daqui que existe uma necessária evolução em sede de OE para a eliminação de cativações
às entidades reguladoras.
Em nossa opinião, não devem existir cativações nos orçamentos das entidades reguladoras, nem a
imposição de restrições na contratação de pessoal, conforme adiante clarificaremos. O facto de as sucessivas
LOE preverem a possibilidade de cativações nas entidades reguladoras (que se têm verificado) não se traduz
por si só numa ilegalidade, porém é algo que surge em clara contradição com o espírito da regulação constante
da LQER e dos Estatutos destas entidades que toma uma opção clara a favor da independência orçamental das
entidades reguladoras — algo nem sempre assegurado plenamente no quadro europeu3.
4 — A prevalência da Lei do Orçamento do Estado sobre a Lei Quadro das Entidades Reguladoras.
Somos de opinião que, contrariamente àquela que parece ser a visão do PSD e do CDS, a resolução destes
problemas não se pode fazer por via de uma simples alteração legislativa na LQER.
Importa sublinhar que o projeto de lei do PSD contem uma norma de prevalência que pretende que a LQER
prevaleça sobre a LOE (artigo 3.º), o projeto de lei do CDS, não sendo tão explícito, aponta no mesmo sentido
(artigo 3.º). A verdade é que, seguindo importante doutrina4 que se debruça sobre esta matéria, a LQER não é
uma lei de valor reforçado, uma vez que deste diploma não se retira qualquer limitação ou impedimento jurídico
de que outros diplomas contrariem as disposições dela constantes, sendo que a designação de lei quadro visa
tão somente trazer um valor político acrescido ao enquadramento jurídico que deve reger a estrutura das
2 Neste contexto há, pelo menos, um caso particular que é o da Entidade Reguladora da Saúde que será em parte financiada pelos Hospitais públicos e
consequentemente por verbas do OE. Só haverá financiamento parcialmente público quando alguma das empresas reguladas for pública e estiver dentro do
perímetro orçamental das administrações públicas. 3 Por exemplo, em França, conforme nota Marie-Anne Frison-Roche, «Régulateurs indépendants versus LOLF» in Revue Lamy Concurrence, 2006, páginas
70 e 71, existe uma limitação da independência deste tipo de entidades no plano financeiro ditada pela obrigação de que haja a afetação de todos os recursos
que provenham do OE à realização dos fins que justificaram a entrega dessas verbas (consignação dos recursos a fins específicos). 4 João Mendonça Gonçalves, «Da independência das autoridades reguladoras independentes», UCP, 2014, páginas 30 e 52.