11 DE JANEIRO DE 2019
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isto digo eu — exigir o não consentimento e exigir o consentimento para que o tipo esteja preenchido. É que,
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, é completamente diferente exigir o não consentimento e exigir o
consentimento para que o tipo seja preenchido, porque se for esse o caminho, Sr. Deputado do PAN, acaba a
liberdade sexual tal como a conhecemos hoje e entramos num admirável mundo novo, que penso que todos e
todas repudiamos.
É neste aspeto, e não só, que o projeto do PAN falha e que o projeto do Bloco de Esquerda surge com a
cautela de manter no tipo a presença do constrangimento. Sr. Deputado do PAN, a construção do tipo penal
sem constrangimento é pura e simplesmente inconstitucional. Insisto que é muito diferente exigir, e bem, no tipo,
o não consentimento e exigir o consentimento.
Os projetos têm problemas técnicos sérios. Não houve emissão de pareceres essenciais, mas posso dar
alguns exemplos: conceitos indeterminados, demasiado amplos, que prometem confusão e risco de
arbitrariedade judicial; incluem reiteração como circunstância agravante, o que é contraproducente, pois vai levar
alguns juízes a condenarem por um só crime reiterado em caso de vários crimes; levanta uma evidente questão
de constitucionalidade, porque implicaria a dupla penalização pelo mesmo crime caso houvesse concurso
efetivo; as agravações pelo resultado são contraditórias para a coação sexual e para a violação; não se pode
agravar o crime em função de «danos graves», porque esse conceito não existe em direito penal, pelo que se
viola o princípio da legalidade; «considerável gravidade» é outro conceito inexistente; a referência à tentativa só
pode ser lapso, porque já existe no artigo 23.º do Código Penal.
A Convenção de Istambul não exige que a violação, fora dos casos em que já o é, seja crime público. O
direito penal tem de fazer o exercício muito difícil de balancear os fins das penas com o espaço de autonomia
individual da vítima.
Perguntamos se é razoável ir mais longe do que já fomos na última alteração ao artigo 178.º, porque hoje,
em certas circunstâncias, o Ministério Público pode dar início ao procedimento mesmo sem queixa. Queremos
aniquilar totalmente o peso da vontade da vítima, esquecendo que o seu interesse pessoal, em função de
circunstâncias irrepetíveis, ao ser devastado por uma imposição estadual, pode significar uma espécie de
segunda morte? Não nos parece.
Saudamos, repito, a possibilidade de um debate sobre o não consentimento livre de propostas que corrigem
más sentenças com aumentos de pena, que em nada protegem as vítimas e que ofendem o Estado de direito.
Façamos um trabalho sério, em conjunto, ouvindo entidades e personalidades que possam contribuir para uma
boa alteração destes tipos penais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Vânia Dias da Silva, do CDS-PP.
A Sr.ª Vânia Dias da Silva (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O essencial
deste debate foi já tratado pelos grupos parlamentares do PSD, do PCP e do PS. As questões que estão em
cima da mesa são exatamente estas.
Este é um debate obviamente delicado e sensível, porque a questão em si é delicada e é sensível. Nenhum
de nós — acho que esta questão é absolutamente unânime — dirá que não assiste razão a qualquer um dos
proponentes na preocupação que trazem para este debate.
A preocupação é legítima, é uma preocupação que todos temos, mas não se pode resolver da forma como
os partidos que propõem estas iniciativas pretendem resolvê-la.
É evidente que esta preocupação é relativa a um crime grave, muito grave, que constitui uma das formas
mais vis de atentado contra a dignidade das pessoas, sobretudo das mulheres, porque normalmente são elas
as vítimas deste crime; a incidência é maior nas mulheres. É evidente, também, e todos sabemos isso, que, às
vezes, há sequelas que são dificilmente ultrapassáveis, muitas delas até são inultrapassáveis, e sabemos que
este tipo de crimes aumentou —, o RASI (Relatório Anual de Segurança Interna) de 2017 diz isso mesmo.
Mas, repito, esta não é a forma de resolver o problema. Ela é errada na técnica e é errada na motivação,
pelo menos numa parte dela. Legislar atrás de casos concretos é sempre muito perigoso e, normalmente, não