I SÉRIE — NÚMERO 37
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É preciso, portanto, reconhecer no Código Penal que um ato sexual sem consentimento é um crime de
violação ou de coação sexual. É no não consentimento que radica a violência do ato e a natureza do crime.
A persistente exigência de um processo cumulativo de violência — o agressor que só o é quando exerce
violência, a vítima que só o é quando dá provas de lhe resistir e preferencialmente com violência — destitui o
cerne da sua natureza: um ato sexual não consentido é, per si, um ato de violência!
A existência de violência ou de ameaça grave não devem ser meios típicos de constrangimento, mas, sim,
circunstâncias agravantes da pena. O Código Penal possibilita ainda que se mascarem violações com abusos
sexuais, crimes que têm — todos sabemos! — uma conotação «menos reprovável» na sociedade. É um recurso
não raro que permite julgar violações como abusos sexuais e conferir este peso enorme à existência de violência.
É precisamente este o teor do artigo 36.º da Convenção de Istambul, que faz uma advertência clara: a de
tratar as coisas exatamente como elas são, punir-se pelo crime praticado, não deixando margem para dúvidas
de que sempre que não haja consentimento estamos perante uma violação.
A proposta do Bloco de Esquerda dá corpo às recomendações da Convenção de Istambul, que Portugal
assumiu cumprir, tendo sido, aliás, o primeiro país a ratificá-la, e garante uma efetiva proteção e uma efetiva
justiça às vítimas deste crime absolutamente abjeto e que configura a mais extrema forma de dominação e
subjugação das mulheres.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Sandra
Pereira, do PSD.
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, cumpre dizer que
manda a prudência, especialmente em direito penal, que as alterações legislativas não se façam a reboque, e a
quente, de casos concretos e da pressão mediática.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É verdade!
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, sempre haverá decisões menos corretas. Contudo,
esta Assembleia da República não pode nem deve ser um corretor judiciário.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Os crimes sexuais, Sr.as e Srs. Deputados, são crimes que merecem o
nosso firme repúdio porque são atentatórios da liberdade e autodeterminação sexual e afetam a integridade
psicológica das suas vítimas que, sabemos, são na sua maioria mulheres, configurando assim uma gravíssima
forma de violação de género.
Por isso, quero reafirmar aqui o contínuo empenhamento político do Grupo Parlamentar do PSD no combate
a todas as formas de violência, em especial a violência contra as mulheres pela condição de serem mulheres.
Posto isto, pretendem os autores, com estas iniciativas legislativas, a substituição da expressão utilizada na
tipificação dos crimes de coação e violação. Ou seja, a substituição de «(…) por meio de violência, ameaça
grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir (…)» pela
expressão «sem consentimento», por forma, dizem os autores, a acomodar todas as situações em que a prática
sexual não obteve violência, ameaça grave, mas não foi devidamente consentida.
Sr.as e Srs. Deputados, compreendemos os fundamentos que estão subjacentes a esta proposta de
alteração, mas implicaria um grande alargamento da previsão objetiva dos atuais tipos de crime de coação
sexual e violação.
Estamos, Sr.as e Srs. Deputados, a retirar elementos objetivos na definição de crime, acrescentando-lhe
subjetividade. Particularmente em direito penal, onde, como os Srs. Deputados saberão, vigora o princípio da
tipicidade, em que os comportamentos que constituem crime devem ser o mais objetivos e determinados
possíveis.