I SÉRIE — NÚMERO 44
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Não é tudo isto o melhor exemplo das conquistas de Abril?
A nossa democracia chegou a um tal nível de maturidade que até permitiu que um partido, derrotado nas
eleições, formasse governo e levasse até ao fim o seu mandato. É notável! E não estou a ser irónico.
Permitimos e toleramos a demonização da Europa. Dá jeito. Bruxelas não deixa, Bruxelas não quer, Bruxelas
isto e aquilo. Da pesca à colher de pau.
Bruxelas serve para explicar o que não queremos explicar. O que não dá jeito explicar. Permitimo-nos
esquecer que é a Europa, essa mesma Europa, que todos os dias investe milhões e milhões de euros na nossa
economia.
Que grande parte do muito que construímos nestas décadas se deve à Europa. Fenómeno que só se agravou
durante o período da troica.
Foi a Europa que trouxe grande parte do financiamento que o País precisava, foi a Europa que ofereceu
alternativas de emprego quando eles não existiam, foi a Europa que deu novos mercados à nossa economia.
Pagamos e pagaremos pela abstenção, nas eleições europeias, o preço dessa demonização.
Passámos uma violentíssima crise económica e financeira? Claro que sim. Passámos! E mesmo assim, no
meio de um plano de resgate financeiro, conseguimos garantir que o estado social continuasse a responder.
A forma como o Estado social respondeu foi simplesmente extraordinária e, seguramente, não foi obra do
acaso!
Permitimos, toleramos e até alimentamos o discurso da impunidade dos ricos e dos poderosos e da
ineficiência do combate ao flagelo da corrupção. E até nisto esta década foi exemplar. Um ex-Primeiro-Ministro
preso. Banqueiros arguidos. Ex-ministros a responder em tribunal. Sobrou algum dono disto tudo? O sistema
não funcionou? Funcionou.
Mas continuamos a insistir no discurso. E isso tem consequências.
Haverá alguém neste país mais escrutinado do que um político?
Objetivamente um político hoje tem muito menos direitos que o seu eleitor. Todos sabem, ou podem saber,
quanto dinheiro tem no banco. Que dívidas e que bens herdou dos seus pais. Câmaras filmam o seu trabalho,
o que escreve no computador, que reuniões marca, com quem pode ou não falar. A dita «transparência» é tanta
que se assemelha a um reallity show. Emitido 24 horas por dia.
Confundimos em demasia a transparência necessária com o voyeurismo repugnante!
Haverá algum outro cidadão deste País que esteja sujeito a isto?
Mais: permitimos, toleramos e alimentamos que o País confunda representantes políticos com funcionários
políticos. Com todo o respeito por todos os funcionários.
Um Deputado não é um funcionário. E ser Deputado nem sequer é uma profissão e muito menos um
emprego.
Funcionalizar a função do Deputado, reduzir à máxima expressão as atividades profissionais compatíveis
com a atividade parlamentar, como hoje se tende a fazer, menorizando ou, pior, acusando quem as tem para lá
da política, é atacar as bases da democracia, é admitir a perspetiva do Estado corporação, logo simplesmente
inconstitucional. Mas há receio de o dizer, por não render a popularidade que embriaga quem carece viver da
política!
Sr.as e Srs. Deputados: Nem tudo é perfeito? Claro que não. Um dos grandes problemas do nosso sistema
é a tendência para a banalização das palavras e a incansável procura dos consensos e do politicamente correto,
que tanto atormenta os discursos de uns tantos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os consensos nunca foram a característica principal das
democracias. Não temos que estar todos de acordo. Nem temos que ser todos iguais, por mais que nos tentem
aplicar esse rótulo.
Mal estará a democracia no dia em que nos deixarmos submeter a essa circunstância.
Em democracia, mais importante do que aquilo que nos une é saber com respeito, frontalidade, coragem,
clareza e lealdade, aquilo que nos separa!
Fazer política é muitas vezes defender uma determinada posição, tomar uma determinada decisão ou medida
— e sei bem do que falo por experiência própria — mesmo sabendo que, no momento, não será nunca
aplaudida.
É fazê-lo mesmo que contra uma parte significativa do nosso País.