I SÉRIE — NÚMERO 79
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aqui, nesta Casa, no âmbito dos projetos de revisão constitucional, manifestavam a sua inquietação pela sempre
adiada primavera que se prometera.
A apenas três anos da precipitação da Revolução de Abril nada de muito substancial parecia, apesar de tudo,
anunciar a iminência de uma tão grande e tão importante alteração. Certamente não poderá concluir-se daqui
que, então, nada se passava.
As grandes mudanças, como as raízes, germinam debaixo da terra e é para a terra que nós, políticos que
nos queremos do futuro, devemos também olhar. Estaremos nós, hoje, atentos às mudanças que se preparam?
Desejaremos nós as mudanças que nos põem em questão?
Adelino Amaro da Costa dizia que «a moderação na política se serve da mudança, para evitar a rutura».
Quem não se servir da abertura à mudança, escancara as portas ao extremismo e pode bem ser empurrado
para a rutura. Quem, pelo contrário, quer evitar o radicalismo tem o dever de perscrutar e de se antecipar à
mudança.
No debate político somos, tantas vezes, e parecemos incapazes de atender às aspirações mais simples e
evidentes do nosso tempo.
Alberto Caeiro, dizia: «Não basta abrir a janela / Para ver os campos e o rio. / (…) É preciso também não ter
filosofia nenhuma. / Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.»
Quantas vezes o debate ideológico não se deixa alcançar pela realidade e impede de ver um metro à frente
dos olhos? Porque, como os montes e os rios diante de nós, o mais difícil de ver é, tantas vezes, a humanidade
que somos, independentemente de tudo, de partidos, de credos, de quaisquer bancadas em que nos sentemos.
Uma vida humana é sempre uma vida humana.
O nascimento de uma criança é uma alegria, a maior riqueza a que uma família pode aspirar.
Um aluno é-nos confiado para o ensinar a crescer no conhecimento e no caráter.
Um doente pede sempre atenção e tratamento: o melhor que lhe possamos dar, com os meios de que
dispomos.
Uma pessoa pobre não pode estar impedida de se sentar à mesa das oportunidades.
O nosso País é o mesmo em Viana do Castelo ou em Beja, no Porto ou em Faro, assim como no mar, que
envolve as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Não serão estas evidências também suficientes para percebermos que uma Aspirina não é melhor por dizer
público ou privado?
Risos do CDS-PP e do PSD.
De que óculos precisamos nós para encarar uma pediatria oncológica como uma urgência que se sobrepõe
a qualquer outro tipo de considerações ideológicas?
Vozes do CDS-PP: — Muito bem!
O Sr. Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): — O que será preciso para percebermos que toda a ineficiência,
independentemente da sua roupagem, desperdiça recursos, gera pobreza e retrocesso?
E o que não dizer da corrupção? Que precisamos ainda de ver para ouvir um pedido de desculpa — por parte
de um governo, um partido ou um regime — pelo escândalo do que foi tirado aos portugueses em compadrios
políticos e económicos que destruíram riqueza e atiraram empresas nacionais, como a Caixa Geral de
Depósitos, o BES ou a PT, para perdas que todos suportamos?!
Que mais incêndios, ou secas — quantas mortes terão ainda de ocorrer?! — para encararmos o isolamento
dos territórios e os portugueses abandonados à sua sorte pelo centralismo eleitoralista?
O que precisaremos de constatar ainda em Tancos, ou nos roubos relatados em hospitais, para perceber
que o Estado não pode simplesmente fingir que existe, que tem mesmo de exercer a sua autoridade?
Ver os campos e os rios, como dizia Caeiro, é sabermos olhar-nos no que somos e habitamos, na
humanidade que nos constitui e na portugalidade que nos atravessa, que nos faz dizer que partilhamos a mesma
essência.
Na diversidade e na liberdade, somos todos Portugueses!