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I SÉRIE — NÚMERO 79

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que ocuparam o bairro da Fundação Salazar. Num instante, as janelas vazias ficaram cheias de gente e pelas

ruas ecoavam os gritos de felicidade: «tenho casa, tenho casa».

As pessoas acreditaram que o poder podia mudar de mãos e foi essa a força que construiu um País novo.

Havia comissões de moradores, grupos de teatro e de música nos bairros, fazia-se a gestão operária, nasciam

cooperativas de produção e serviços, iniciava-se a reforma agrária, conseguia-se a democracia também nas

escolas. A política era a própria vida.

Abril é sinónimo das conquistas, mas engana-se quem afirma que não é sinónimo de lutas. Os interesses

instalados moviam-se para impedir os avanços nos direitos e organizavam-se para lançar o terror na sociedade,

por vezes com a conivência das forças de segurança, como todos os dias sou forçado a não esquecer. Foi uma

bala da PSP (Polícia de Segurança Pública) que me colocou nesta cadeira, por ter protestado contra a realização

de uma manifestação de extrema-direita.

Não me silenciaram. Nem a mim, nem ao nosso povo. Construímos a segurança social universal, a escola

pública e o Serviço Nacional de Saúde; garantimos o salário mínimo e o direito à greve; aprendemos que nada

é oferecido, tudo se conquista.

Aplausos do BE, de Deputados do PS e do Deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira.

Hoje passam 45 anos da Revolução de Abril. Os cravos nos nossos peitos devem ser mais do que um enfeite

na lapela. A esperança, que voltou a sair à rua com a solução governativa de 2015, olha para estes cravos e

pergunta o que faremos nas decisões fundamentais.

O Serviço Nacional de Saúde pode voltar a andar de cravo ao peito, como Arnaut e Semedo o sonharam, ou

manterá a porta aberta para o negócio dos privados, em cedência à pressão presidencial?!

A lei de bases da habitação chegará a ser uma realidade, plena e de cravo ao peito, ou o direito à habitação

ficará a depender da vontade dos especuladores imobiliários?!

Celebrar Abril não pode ser uma cerimónia anual, é um compromisso permanente e muito há para fazer.

Há ainda, 45 anos depois, muitos cidadãos e cidadãs de segunda no nosso País. São pessoas a quem são

negados direitos humanos tão básicos como o direito à mobilidade, ao emprego, a uma vida digna; a quem são

negados direitos humanos unicamente porque são diferentes; que são sujeitas a uma opressão e exclusão social

porque têm uma deficiência.

Opressão e exclusão que também perseguem a cor da pele, porque não conseguimos acabar com o racismo

estrutural que ainda marca a nossa sociedade.

E se a minha presença aqui serve para alguma coisa é para afirmar que é possível vencer esta opressão,

esta exclusão, que o futuro não nos pode continuar a ignorar, que não deixaremos que isso aconteça.

As lutas a que hoje assistimos mostram que o espírito de Abril está bem vivo, que não aceitamos que nos

digam «não», que rejeitamos os impossíveis e as inevitabilidades, que acreditamos, como no passado, que o

poder pode mudar de mãos.

Os estudantes que saíram à rua pela urgência climática são cravos semeados por Abril, que se transformam

em agentes principais de uma mudança inadiável.

As mulheres que se levantaram contra a justiça machista, que reivindicam uma plena igualdade de género,

são ecos das vozes que rejeitam a submissão e a desigualdade.

Os jovens afrodescendentes que subiram a Avenida da Liberdade para denunciar a violência racista são

frutos das mesmas lutas emancipatórias que derrotaram o colonialismo.

Os trabalhadores que se organizam, como os precários dos call center, as trabalhadoras de limpeza, ou os

estivadores, fazem parte dos mesmos movimentos que conquistaram direitos laborais no passado.

Os combates pela qualidade dos serviços públicos são a consciência de uma solidariedade que nos

engrandece, respeitando as pessoas que, todos os dias, dão corpo ao que é de todos nós e para todos nós.

A novidade dos dias que correm é que Abril fica mais vivo com todas estas lutas, porque este é o verdadeiro

espírito que estes cravos carregam: a vontade de um povo que se agigantou nas adversidades e que se junta,

agora, por novas conquistas.

Viva a Liberdade!

Viva a Democracia!

Viva o 25 de Abril!