I SÉRIE — NÚMERO 82
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Sendo assim, importa sublinhar que a ambição do Ferrovia 2020 não integrou todas as dificuldades que
foram surgindo, até porque muitas delas se revelaram inesperadas. Algumas surgiram do funcionamento da
contratação pública, que exige transparência e igualdade de oportunidade, como não pode deixar de ser, mas,
como todos sabem, com um custo de tempo que, muitas vezes, perturba e destrói os calendários previstos. Mas,
como referi, há causas inesperadas, como seja a tremenda falta de recursos humanos qualificados para dar
resposta à fase de projeto ou os atrasos nas autorizações ambientais.
Mas o calvário processual e de dificuldades a que o País está submetido não termina aqui. Depois da fase
de projeto e de concurso, que também acaba por introduzir mais complicações, a fase de obra faz voltar o drama
das dificuldades de recrutamento por parte das empresas ou, também, não menos importante, das dificuldades
técnicas que os projetos não previram.
É óbvio que tudo isso implica trabalhar bastante para afinar bastante mais o planeamento e assegurar a
anulação dos entraves já identificados. É nisso que estamos todos concentrados, é nisso que o Governo está
concentrado.
Mas, Sr. Presidente, se é verdade que falta ainda fazer muita coisa, se é certo que algumas das abordagens
implementadas não correspondem totalmente às expetativas definidas para esta Legislatura, também é
demonstrável que as exigências depositadas na ferrovia para esta Legislatura cresceram bastante mais rápido
e com mais profundidade do que a capacidade potencial do País em responder no tempo e na dimensão certa
para evitar bloqueios, atrasos e constrangimentos.
Encontrámos um País a perder passageiros nos transportes públicos e era preciso inverter essa tendência.
Está, de facto, em curso essa inversão, também na ferrovia, mas caímos na situação em que ser bem-sucedido
neste esforço traz consigo outro problema: a capacidade do sistema ferroviário nacional, que, como sabemos,
foi abandonado ao longo de muitos anos, para responder ao crescimento da procura, que ocorre por via dos
incentivos do Governo, como seja, por exemplo, o caso dos passes sociais mais baratos, ou pelo dinamismo
crescente do turismo.
Estamos, pois, perante uma situação em que o ritmo de crescimento da procura supera largamente a
capacidade do País em modernizar e alargar a capacidade do sistema ferroviário nacional. Na prática, Srs.
Deputados, a rigidez da oferta, nesta matéria, é bastante superior à procura, fazendo emergir alguns atrasos já
amplamente discutidos.
Se é verdade que estes constrangimentos atrasam e empatam o avanço dos investimentos, há ainda outra
questão que não pode ser ignorada: o estado da CP. Esta empresa pública é absolutamente central em todo o
processo e tem revelado fragilidades de capital e de recursos humanos para poder responder a todos os
desafios. Foi assim que a encontrámos e ainda persistem alguns problemas.
Por outro lado, a EMEF, entidade de manutenção absolutamente essencial para fazer face a uma frota
bastante antiga, sofreu no passado um processo de desmantelamento e de governança que tem comprometido
a resposta que se esperava.
Portanto, estamos perante dificuldades de recrutamento em duas vertentes essenciais: na operação e na
reparação de material circulante. E, Sr. Presidente, apesar do esforço de recrutamento nestas duas áreas,
facilmente demonstrável, ainda há necessidades que têm de ser supridas rapidamente e que o Governo deverá
ultrapassar o quanto antes, conforme referiu recentemente, na Assembleia, o Sr. Ministro das Infraestruturas.
Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.
Mas, em boa verdade, e apesar de todos os constrangimentos, observa-se um enorme esforço que tem
permitido avançar com algumas obras que estão em curso e concluir já outras tantas que podemos referir mais
à frente, ao longo do debate. Além disso, a CP teve, pela primeira vez em 20 anos, um plano de material
circulante que lhe permitirá repor, nas linhas regionais, o nível de qualidade e serviço adequado.
Sr.as e Srs. Deputados, por tudo isto e pela importância da ferrovia e da sua modernização e expansão, não
hesitamos em referir que estamos perante uma discussão relevante, atual e de interesse para o País.
Mas também importa clarificar o que estamos a discutir.
A proposta do Bloco de Esquerda, denominada de «Plano Ferroviário Nacional», é bastante mais um plano
de investimentos na ferrovia — é mais um — do que um planeamento a longo prazo da ferrovia nacional.