I SÉRIE — NÚMERO 84
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Mas se os precários do Estado têm no PREVPAP um recurso e um instrumento de luta pelos seus vínculos,
o que dizer das centenas de milhares de precários do privado, que continuam a ser vítimas dos mais variados
abusos?
Num País em que a precariedade se faz em grande medida pela transgressão à lei, precisamos de uma
Autoridade para as Condições do Trabalho muito mais forte e atuante. Precisamos de campanhas que percorram
as empresas, os call centers, as instituições particulares, as redações e que obriguem a que a lei seja respeitada
e que os contratos sejam celebrados. Isto para regular os falsos recibos verdes, mas não só, para regular
contratos, como o da Randstad, em que um trabalhador é contratado para trabalhar 40 horas por mês na PT
Sales, do Grupo Altice, mas ganha menos do que o salário mínimo. Ou como os contratos que existem de
outsourcing com a empresa Egor, para a mesma Altice, onde o horário de trabalho é definido da seguinte forma:
40 horas semanais entre as 0 horas e as 24 horas. Ou seja, a qualquer hora do dia. O patrão logo decidirá… E
mais: dizem esses contratos que «o trabalho prestado em acréscimo não será considerado como trabalho
suplementar, sendo pago pelo valor da hora normal». É uma mina!
Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados, normas como estas deviam ser consideradas nulas e o Bloco tem, neste
momento, em debate uma proposta exatamente sobre isto.
Mas mais: o abuso do outsourcing, que é hoje, provavelmente, a via maior de precarização, tem de ser
combatido. Quando é apenas um fornecimento de mão de obra, os trabalhadores têm de ter contrato com a
empresa onde realmente trabalham.
Mas não estamos apenas a falar do outsourcing, dos recibos verdes, dos contratos a prazo, do trabalho
temporário. Estamos a falar de situações como, por exemplo, a do trabalhador da Glovo, que anda de bicicleta
a entregar refeições. É um trabalhador? Sim, claro que é! Com quem estabelece a relação de trabalho? Com a
Plataforma que lhe atribui o trabalho, que lhe define os horários, que lhe indica o que tem de ir buscar, que lhe
define o preço que vai receber por cada viagem, que lhe põe na bicicleta a bolsa térmica e a caixa de plástico
com o logotipo da empresa onde transporta a comida, que lhe oferece o corta-vento que leva vestido.
Mas que contrato é que esse trabalhador tem? Um contrato de trabalho? Não, claro que não. É um contrato
comercial — não de trabalho! — entre a Glovo e um «profissional liberal», o rapaz que anda na bicicleta a
entregar as refeições… Vai daí, riscos profissionais, segurança social, é tudo por conta do nosso profissional
liberal. E, claro, férias, folgas, é coisa que não lhe assiste.
Srs. Deputados, Sr. Ministro do Trabalho, Sr.as e Srs. Deputados, Portugal tem hoje mais emprego, mas
continuamos a ser um País de precariedade.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Para combater a precariedade, precisamos de enfrentar três desafios: em
primeiro lugar, olhar para os novos esquemas de precarização e impedir que se disseminem; em segundo lugar,
mudar a lei do trabalho e alterar as normas de precarização;…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de concluir.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Termino já, Sr. Presidente.
… em terceiro lugar, o Estado tem de dar o exemplo como empregador, regularizando os casos pendentes
no PREVPAP, mas também fazendo do combate à precariedade uma prioridade nacional no âmbito da
fiscalização.
É para isso que aqui estamos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva.