I SÉRIE — NÚMERO 8
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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste minuto liberal, queria começar por confessar que gostei bastante do título do projeto de lei do PS, Carta de Direitos Fundamentais na
Era Digital, mas depois percebi que era só o título, porque esta Carta acaba por ser uma desculpa mal disfarçada
para aprovar instrumentos avulsos de monitorização e controlo digital por parte do Estado.
Portanto, esta Carta não é nenhum louvor à modernidade digital e corre o risco, como as cartas de amor de
que falava o heterónimo do notável liberal Fernando Pessoa, de ser uma carta ridícula: ridícula porque se tivesse
sido escrita há 500 anos seria o rei ou a rainha a ter maior controlo sobre os remetentes, sobre os destinatários
e até sobre os conteúdos das cartas; ridícula porque se tivesse sido escrita há 100 anos teria impedido o já
referido Fernando Pessoa de usar o tal heterónimo Álvaro de Campos, porque tal seria considerado perigoso e
promotor da rebelião e da subversão; e ridícula porque não foi escrita a pensar num mundo cada vez mais volátil
e ambíguo, e, em vez de arranjar soluções para problemas, tenta arranjar problemas para soluções que nada
têm a ver com o mundo digital de hoje.
Em suma, esta Carta está mais preocupada com as ameaças para o Estado do que com as ameaças às
liberdades dos cidadãos.
No fundo, o essencial desta Carta está no seu artigo 1.º, onde se diz: «Todos os cidadãos e pessoas coletivas
têm o direito à igualdade de oportunidades de acesso, utilização, criação e partilha no mundo digital.»
Tudo isto cabe num tweet…
O Sr. José Magalhães (PS): — Grande tweet!
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — … e se tivesse ficado por aqui já não correria o risco de ser ridícula.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Ridículo foi o senhor!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa.
A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O mundo mudou! De um dia para o outro, a era digital transformou a nossa vida diária, a nossa forma de trabalhar, de estudar, de
comunicar e a forma como nos relacionamos socialmente. A comunicação digital, os media, a robótica, a
inteligência artificial, o e-commerce e as empresas digitais são alguns dos grandes desafios que temos pela
frente. Estamos perante uma transformação tão fundamental que é somente equiparável à provocada pela
Revolução Industrial.
Sr.as e Srs. Deputados, infelizmente, e ao contrário do que seria desejável e expetável, Portugal continua nas
últimas carruagens desta revolução.
O nosso retrato digital, Sr.as e Srs. Deputados, continua a ser bastante preocupante: o número de habitações
com acesso à internet continua incrivelmente baixo; ainda existem áreas consideráveis sem banda larga móvel
ou com redes de comunicações eletrónicas deficitárias; o processo de implementação do 5G continua parado;
os recursos digitais nas escolas continuam a não passar de uma miragem; a percentagem de compras online
continua muito aquém da média da União Europeia.
Sr.as e Srs. Deputados, precisamos de agir rapidamente para não perder o comboio do digital, mas, para tal,
precisamos de um Governo que pense digital e não de forma analógica.
Vozes do PSD: – Muito bem!
A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, não podemos continuar a ter um Governo que fala tanto e faz tão pouco no digital. Não podemos continuar a ter um Governo com um programa tão pouco
ambicioso e que falha, sistematicamente, as metas europeias do mercado único e da transição digital.
Sr.as e Srs. Deputados, obviamente, não descuramos o papel fundamental que, nesta matéria, o direito e a
lei poderão ter. As questões éticas e sociais que se prendem à volta da utilização massiva das novas tecnologias
têm de ser abordadas e reguladas em benefício e salvaguardando as garantias dos cidadãos.