I SÉRIE — NÚMERO 38
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É um reconhecimento aos que, tantos, no Ministério da Cultura e noutras áreas, nos diferentes Governos,
desde Teresa Patrício Gouveia, Santana Lopes, Nunes Liberato e Isabel Pires de Lima, compreenderam a
importância deste projeto cultural. Aos Deputados de todos os partidos. Ao Instituto Camões e aos mecenas.
É também uma homenagem ao povo e a uma região que ele tão eloquentemente soube enaltecer na sua
correspondência, quando, em 29 de maio de 1892, escreveu ao seu amigo Eduardo Prado: «Caríssimo Prado,
esta nossa terra é sem dúvida a obra-prima do grande paisagista que está nos céus. Que beleza! Tudo canta.
Cantam, trabalhando cavadores e ceifeiras. Em toda a parte onde estive não vi um palmo de chão onde se
pudesse assentar o pé sem perigo de esmagar uma semente».
Sr.as e Srs. Deputados, estaremos todos de acordo com os fundamentos literários e culturais expressos no
projeto de resolução. Todos reconhecemos em Eça o brilho de um espírito livre, culto, humanista arguto, que,
com uma escrita de palavras límpidas, de conteúdo fino e de superior ironia, mostrou as contradições da vida
em sociedade e fez luz sobre a tensão entre os mundos da paixão e os mundos da razão. Mostrou-nos ao
espelho, enquanto seres humanos. Fortes e frágeis, feitos de luz e de sombra.
Com as suas personagens, entrou na compreensão da natureza humana. Desse entendimento e da sua
partilha a obra literária abriu-se ao mundo, tornou-se universal. Trata-se mesmo de um escritor que é
apreciado em todas as geografias do mundo. Conheci a sua casa em Paris. Lembro-me de ver, no Real
Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, os seus manuscritos. Recordo-me bem do culto que lhe é
prestado no café La Columnata Egipciana, na cidade de Havana, em cuja Universidade, em 2016, foi criada a
Cátedra Eça de Queiroz.
Pela atualidade, destaco duas dimensões da sua mensagem, presentes na obra literária e na atividade
diplomática.
Primeira dimensão: a mensagem sobre o desenvolvimento, presente no seu conto «Civilização», editado
primeiramente no Brasil e, depois, em Portugal como A Cidade e as Serras. Para quem não leu, vale a pela
ler. Para quem leu, vale a pena reler. O diálogo entre o urbano e cosmopolita Jacinto e o rural Zé Fernandes
permite-nos, também hoje, como outrora, compreender mais profundamente a «fonte do tédio» que, não raras
vezes, toma conta da dita «classe média alta» e que ameaçou abalar os alicerces da crença no progresso
moral e técnico da humanidade. O Jacinto, de A Cidade e as Serras, deixou para trás «as luzes de Paris»,
declinou o determinismo e, chegado à Quinta de Vila Nova, em Santa Cruz do Douro, no romance que se viria
a chamar Quinta de Tormes, perguntou ao Silvério, com profunda consciência social: «O que eu pergunto é se
aqui em Tormes, na minha propriedade, dentro destes campos, que são meus, há gente que trabalhe para
mim, e que tenha fome. Está mandado, Silvério. E também quero saber as rendas que paga essa gente, os
contratos que existem, para os melhorar. Há tanto para melhorar».
Ainda hoje procuramos vencer as desigualdades. Continuamos a querer equilibrar o crescimento com o
desenvolvimento humano sustentável. Ora, é possível encontrar neste romance toda uma tese sobre o modo
como, individual e coletivamente, vivemos numa tensão permanente entre as conquistas da técnica, que nos
traz a sensação do poder sobre a natureza, por um lado, e, por outro, o sentimento do vazio e da impotência
para fazer face às crises como aquela por que estamos a passar à escala mundial.
Mas aprendamos com o idealismo de Jacinto e façamos, com o realismo do Zé Fernandes, as mudanças
que se impõem fazer: primeiro, nas atitudes e nos comportamentos; depois, nas obras que servem as pessoas
com valores humanistas.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para sintetizar a sua intervenção.
O Sr. José Luís Carneiro (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente. Segunda dimensão: a sua mensagem sobre o humanismo. Eça de Queiroz partiu para Havana, por missão
que lhe foi dada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Andrade Corvo. Aí protegeu as minorias que, vindas
da China e com escala em Macau, eram objeto de exploração na produção da cana-de-açúcar.
Ora, essa proteção às minorias interpela-nos hoje, uma vez que estamos com a presidência da União
Europeia e se pretende atualizar a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Lembrar essa mensagem humanista é lembrar que a igual dignidade de todo o ser humano deve ser
sempre defendida.