I SÉRIE — NÚMERO 56
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Em nome do CDS, gostaria de dizer, desde logo, que o fenómeno da violência doméstica e estes crimes em
geral, praticados neste contexto, não só são crimes de uma enorme gravidade como são crimes que têm vindo
a ter importância e gravidade crescentes na nossa ordem jurídica e na nossa sociedade. De resto, até este
último ano, a violência doméstica vem sempre a crescer e é um dos crimes mais graves. Curiosamente, os
números do último RASI não refletem essa tendência, mas também sabemos, e é muito evidente para todos,
que este último RASI já foi feito em pandemia. Portanto, em pandemia, é normal que este crime não tenha a
mesma exposição porque, obviamente, também ele ficou, por assim dizer, confinado ou fechado dentro de
portas, o que também nos pode indicar — preocupantemente, mas sem fazer disso nenhum juízo em relação à
atuação das autoridades —, inclusive, a existência de uma cifra negra, de uma cifra escondida, de coação sexual
e outros crimes desse tipo.
Convém dizer, de resto, que é um crime transversal, tem vários tipos de autores, é praticado em várias
circunstâncias, sendo — e é muito assim que nós o colocamos — 76% das vítimas mulheres. Nalguns casos,
podem ser crianças, podem ser homens, mas 76% das vítimas são mulheres e mais de 80% dos agressores
são homens. Portanto, é com estes dados que estamos a lidar na nossa sociedade.
Como é que o CDS entra neste debate? Trazemos ao debate de hoje uma proposta que, basicamente, visa
que crimes de coação e crimes de ameaças sejam, também eles, considerados crimes públicos. Porquê?
Porque, muitas vezes, estes crimes de ameaças e de coação são antecedentes de outros crimes mais graves,
de violência doméstica, de abuso ou mesmo de violência e, em alguns casos, de homicídios.
Há casos em que, à partida, as ameaças são repetidas e não são qualificadas como crimes de violência
doméstica, são qualificadas como crimes menos graves, só de ameaça e de coação. E, por vezes, porque
dependem de queixa, esses crimes de ameaças e de coação são arquivados. E, depois, o que acontece? No
fim, temos crimes graves de violência doméstica e temos, inclusivamente, crimes graves de homicídio.
Portanto, é este o nosso contributo, no pressuposto de que é preciso fazer mais, no pressuposto de que o
que existe não é suficiente e não chega para combater este fenómeno.
O mesmo se diga em relação aos outros projetos em discussão, designadamente em relação à petição —
cumprimentando, obviamente, as suas proponentes —, que é uma petição importante no quadro da violência
doméstica e do muito que pode ser feito para combater este fenómeno e este flagelo.
Mas, em relação aos vários projetos em discussão, eu diria que eles merecem ser discutidos. É evidente que
nem todos são consensuais do ponto de vista jurídico. Registo que as nossas propostas têm uma posição
favorável, por exemplo, da Ordem dos Advogados, correspondendo, indiscutivelmente, aos pressupostos e às
intenções da Convenção de Istambul — acho que deve ter plena execução na nossa ordem jurídica, é importante
que a tenha —, mas há casos de alguns projetos que levantam algumas dúvidas porque, passando de crime
semipúblico para público, há quem entenda que, hoje em dia, a possibilidade de intervenção do Ministério
Público no interesse da vítima seria já suficiente. No entanto, acho que é uma ponderação que deve ser feita,
que tem de ser feita, e essa é uma questão que não inviabilizaremos.
Acho que vale a pena discutir todos estes projetos em sede de especialidade e, com senso comum e com o
melhor de cada um deles, construir a melhor solução possível.
Esta é a posição do CDS. É assim que abordamos este debate, no pressuposto de que tudo o que fizermos
para combater estes crimes de violação, de coação sexual, de abuso de menores, de violência doméstica será
pouco. Portanto, é útil que possamos fazer mais desse ponto de vista.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Joacine Katar Moreira.
A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.): — Vivemos em sociedades de dominação institucional masculina,
que toleram a violência contra as mulheres e as meninas e relativizam e desresponsabilizam constantemente
os homens, as masculinidades violentas e os agressores. É preciso recordar que é exatamente por esse motivo
que temos de garantir que nenhuma mulher, nenhuma vítima enfrente sozinha o sistema social e o sistema
judicial.
Precisamos de alterar o Código Penal para que os crimes de coação sexual, violação e abuso sexual sejam
crimes públicos, porque a violação não é um incidente isolado nem é um incidente da esfera privada e, muito
menos, um assunto das mulheres, para as mulheres se relacionarem com ele ao longo da sua existência.