16 DE ABRIL DE 2021
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A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Trazemos a este debate duas
propostas que consideramos determinantes para o combate à violência de género contra as mulheres e para a
promoção da autonomia das vítimas de violência doméstica.
Comecemos com a alteração do Código Penal para a conversão do crime de violação como crime público.
A violação manifesta-se como uma das mais extremas formas de opressão e de dominação das mulheres e
configura um atentado aos direitos humanos das mulheres, à sua integridade física e emocional, à sua liberdade
e autodeterminação sexual. Despoja-as da sua humanidade, objetifica-as, como se fossem coisas passíveis de
uso por terceiros para o entretenimento e prazer de outrem. Deixa, na maior parte das vezes, feridas profundas
para o resto da vida.
As estatísticas dão-nos os números da realidade, mas não a traduzem completamente. Quem está no terreno
diz-nos que os números ficam muito aquém da crueldade realmente existente.
Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), o crime de violação é o quarto com mais
participações entre os crimes associados à criminalidade violenta e grave. O mesmo relatório revela que os
arguidos são maioritariamente homens e que são, na sua maioria, familiares ou conhecidos das vítimas.
Estes dados denotam que a maioria dos agressores faz parte das relações familiares ou de proximidade das
vítimas, contrariando a crença de que o crime de violação é maioritariamente cometido por estranhos. Este é,
portanto, um crime onde a ascendência do agressor sobre a vítima e as relações de poder se verificam de forma
especialmente intensa. Por isso é que, muitas vezes, a vítima não apresenta queixa, e são várias as razões para
que isso aconteça: o estado de choque, o medo, a depressão, a vergonha, a negação, o pensar que todos vão
achar que a culpa foi sua.
O sentimento de que todos, incluindo a justiça, lhe vão apontar o dedo faz com que a esmagadora maioria
das vítimas não apresente queixa.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Exatamente!
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Atualmente, a violação é um crime semipúblico, o que significa que
depende da queixa da vítima, e esta tem de o fazer num prazo máximo de seis meses.
O Ministério Público pode atuar, desde que tome conhecimento dos factos, mas, na prática, é raro que tal
aconteça.
Apesar de as entidades policiais e de os funcionários públicos serem obrigados a denunciar este tipo de
crimes e de qualquer pessoa o poder fazer por sua iniciativa, não é aberto qualquer inquérito sem que a vítima
apresente queixa. A consequência é que deixamos as vítimas sozinhas, entregues a si próprias, sem apoio e
com a responsabilidade toda sobre si.
Se a violação fosse crime público, bastava o seu conhecimento pelas autoridades judiciárias e policiais para
haver uma investigação, combatendo a impunidade em que muitos crimes ficam e, independentemente da
vontade das partes, o processo corria mesmo até ao fim.
Esta também é uma reivindicação de mais de 60 mil pessoas que assinaram uma petição pública lançada a
10 de março deste ano. Aproximadamente 1000 pessoas por dia, que assinaram esta petição, pedem à
Assembleia da República que tome as medidas necessárias à transformação da violação em crime público e,
também, que qualquer pessoa o possa denunciar.
Tornar a violação crime público não significa haver condenações automáticas, nem ausência de direitos de
defesa mediante qualquer acusação, apenas quer dizer que, após o apuramento dos factos, se o Ministério
Público entender que há motivos para acusação, ela é apresentada, independentemente da vontade da vítima,
num juízo análogo ao que se levou a cabo para a violência doméstica.
Temos de reforçar a ideia de que a violação e a coação sexual são assuntos que não podem ficar sem
investigar e que se trata de uma responsabilidade de toda a comunidade. À semelhança do crime de violência
doméstica, este não pode ser considerado um crime do foro privado.
O Bloco de Esquerda apresenta também uma iniciativa que propõe uma alteração do regime jurídico aplicável
à prevenção da violência doméstica, à proteção e assistência das suas vítimas e ao reforço de direitos de âmbito
laboral, aos apoios da segurança social e ao acesso à habitação.