I SÉRIE — NÚMERO 56
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Não podemos continuar a assumir que a culpa é da vítima e a fazer o tipo de exames que são feitos.
Precisamos de mecanismos que reforcem a capacidade de proteção das vítimas e que também tragam algum
cuidado com a forma como o processo é tratado.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira concluir.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — O que dizemos agora, com a resposta que temos, é que as mulheres
que são vítimas de violação são as responsáveis e que elas é que devem, sozinhas, conseguir, ou não, resolver
o problema.
Pois bem, o Bloco de Esquerda tem uma perceção contrária e defende o contrário.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — É toda a sociedade que está com elas e ninguém fica sozinha numa
situação deste género.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada
Alma Rivera, do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é óbvio para as vítimas de
violência doméstica, a casa não é segurança, não é refúgio, é um espaço de medo, em que a cada dia se
degrada o mais íntimo de cada um, com ciclos e escaladas de violência.
A violência doméstica é um fenómeno complexo e multifatorial que envolve milhares de pessoas, muitas mais
do que aquelas que nos é permitido conhecer por via dos relatórios de segurança interna ou das denúncias junto
das várias organizações.
É que só o facto de chegar à queixa e, sobretudo, chegar à rutura de facto e a um recomeço, tem muitos
obstáculos que partem do medo e da destruição da autoestima para a impossibilidade de perspetivar uma vida
diferente, outro contexto familiar, outra casa, outro trabalho, outra vivência social. A tudo isso acrescem séculos
de normalização da violência sobre a mulher, que se traduzem na reprodução de modelos de relacionamento
idênticos.
Não esquecendo que existe, de facto, um percurso de elevação da consciência social, de mudanças culturais
que dependem da criação de condições de vida dignas e acesso aos mais elementares direitos por parte de
todos os cidadãos — algo que ainda não está plenamente alcançado e em que se arrisca um retrocesso —, é
preciso, de facto, remover o máximo de obstáculos e constrangimentos no processo de libertação de uma
situação desde tipo. E é isso que alguns dos projetos hoje em discussão se propõem fazer, sem prejuízo de
haver acertos a fazer em especialidade: assegurar meios e apoios concretos na hora em que as vítimas mais
precisam deles. Por isso se pretende, através destes projetos, facilitar o acesso ao subsídio de reestruturação
familiar e à indemnização, dar mais segurança e possibilidades no que toca à situação laboral, facilitar o acesso
à habitação, enfim, garantir que, desde logo, do ponto de vista subjetivo, exista uma maior segurança e uma
maior confiança, mas também dar o apoio social, concreto, que permita esse novo recomeço.
Os projetos merecem ainda três notas. Em primeiro lugar, a necessidade de dar maior conhecimento às
vítimas sobre o próprio crime e sobretudo sobre os apoios e ajudas disponíveis, e para isso, o projeto de
resolução do PEV aponta caminhos, especialmente no contexto da COVID-19. Por outro lado, a evidência de
que é preciso dar outro tratamento aos casos de violência doméstica na comunicação social. Infelizmente, não
foi suficiente o estudo feito pela ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) nem a recomendação
desta Assembleia para que se tivesse mudado a abordagem ao tema, focando-se menos no caso e na
espetacularidade e mais na problemática, menos no perigo e mais nas possibilidades de libertação.
Uma última nota: «não basta legislar sobre direitos, uma vez que, como todos sabemos, são muitos os direitos
que se anunciaram às vítimas e que depois, por incapacidade financeira do Estado e das entidades públicas,
não tiveram tradução prática, defraudando as vítimas. Este, sim, é um verdadeiro problema, que continua a