I SÉRIE — NÚMERO 62
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos, pois, entrar na ordem do dia, cuja fixação foi, como referi, requerida pelo Bloco de Esquerda.
Para apresentar o Projeto de Lei n.º 745/XIV/2.ª (BE) — Altera o regime jurídico-laboral de teletrabalho,
garantindo maior proteção do trabalhador (Décima nona alteração ao Código do Trabalho e primeira alteração
da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de
doenças profissionais), tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A apresentação deste projeto do Bloco de Esquerda sobre o teletrabalho teve já o mérito de fazer com que
quase todos os partidos entregassem também as suas propostas para acompanharem o agendamento do
Bloco. A nossa expectativa é de que o debate de hoje seja o pontapé de saída para um processo legislativo
que mude o Código do Trabalho e que proteja os trabalhadores, garantindo direitos, regulação de horários,
compensação por despesas, capacidade de organização coletiva, respeito pela privacidade.
A pandemia obrigou a respostas de emergência sanitária e a uma transição abrupta e improvisada para o
teletrabalho, sem mecanismos de preparação e de negociação coletiva e sem que a proteção dos
trabalhadores fosse plenamente assegurada. O teletrabalho passou de uma realidade relativamente residual
para ter uma expressão massiva, o que, aliás, revelou as ambivalências que lhe estão associadas, bem como
as consequências em várias dimensões da vida.
Ficaram evidentes as dificuldades na gestão dos tempos, com os horários de trabalho a prolongarem-se
informalmente e com a multiplicação de tarefas realizadas fora de horas. Os efeitos do teletrabalho
verificaram-se ao nível do cansaço, da ansiedade, do stress, da tensão familiar, nomeadamente no período em
que pais e mães foram obrigados — injustamente, diga-se! — a acumular o teletrabalho com o cuidar dos
filhos.
Por outro lado, muitas empresas aproveitaram o recurso ao teletrabalho para pouparem custos, imputando-
os aos trabalhadores. A este período de teletrabalho obrigatório durante a emergência sanitária correspondeu,
por exemplo, um aumento de 15% nos custos das famílias com energia, aumentando também o consumo de
internet. As despesas com a manutenção dos locais de trabalho, com equipamentos, eletricidade, água e
ligação à internet foram transferidas para os trabalhadores sem que a isso correspondesse qualquer tipo de
compensação.
Deste processo resultou evidente que a regulação do teletrabalho que hoje existe na lei é frágil e não
protege convenientemente quem trabalha. Em defesa do teletrabalho invocam-se os seus efeitos na redução
das deslocações, nas possibilidades que abre de um maior equilíbrio territorial e ambiental ou de um
aproveitamento melhor do tempo, mas os riscos associados ao teletrabalho são por demais conhecidos:
isolamento, perda dos momentos de partilha com os colegas em ambiente de trabalho, diluição das fronteiras
entre vida profissional e vida familiar e pessoal, descontrolo do tempo de trabalho e violações da privacidade e
da intimidade do trabalhador, além, claro está, da transposição de custos da empresa para os trabalhadores
ou da desarticulação de formas de organização e representação coletivas. A todos estes riscos somam-se os
efeitos diferenciados que têm, por exemplo, em termos de género e, por isso, é preciso mudar a lei.
O teletrabalho não significa isenção de horário ou uma disponibilidade permanente do trabalhador para
atender às solicitações da empresa. O teletrabalho não pode significar um corte de rendimentos pelo aumento
de despesas ou pela perda de complementos ou de subsídios, como o subsídio de refeição. O teletrabalho
não significa que a casa do trabalhador passa a ser uma dependência da empresa, sem direito de privacidade
ou com os bens pessoais do teletrabalhador postos à disposição do patrão.
O teletrabalho não pode ser a desculpa para se fingir que acidentes de trabalho, só porque ocorrem em
casa, são acidentes domésticos e, portanto, excluídos da reparação pelo seguro de acidentes de trabalho.
O teletrabalho não significa que uma comissão de trabalhadores ou um sindicato deixem de poder
contactar os trabalhadores que não estão presencialmente na empresa nem significa que deixam de os
representar.
É também para clarificar tudo isto que é preciso mudar a lei. Nas várias iniciativas que foram apresentadas
e que discutimos é possível identificar uma clivagem essencial. De um lado temos os projetos, como o do
Bloco, que defendem que a lei deve consagrar direitos e obrigações, isto é, que deve ser imperativa, seja
sobre a obrigação de pagar despesas, seja sobre equipamentos, seja sobre o direito dos trabalhadores com