6 DE MAIO DE 2021
5
filhos menores, por exemplo. Do outro lado temos os projetos do PS e do PSD que, em lugar de consagrarem
obrigações, definem possibilidades. Ou seja, permitem que os princípios definidos pela lei fiquem dependentes
do acordo do empregador, como acontece no caso do pagamento de despesas, ou sejam afastados por
convenções coletivas que podem dispor em sentido pior, por exemplo, na salvaguarda da privacidade do
trabalhador.
Discordamos totalmente desta opção porque achamos que, precisamente nestas matérias fundamentais, a
lei tem de definir direitos e não enunciar hipóteses que ficam sujeitas à melhor ou pior vontade do empregador
numa negociação sempre desigual.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Isto não significa ser contra a contratação coletiva, pelo contrário. A contratação coletiva não é uma alternativa à intervenção legislativa, é um complemento a essa intervenção.
Podemos e devemos promover a contratação coletiva sobre estas matérias, sobre estes temas do
teletrabalho, mas nada disso é incompatível com a criação de um quadro legal que defina os patamares dos
quais parte essa negociação.
Sr.as e Srs. Deputados, uma coisa é discutir em negociação coletiva como concretizar um direito, como
concretizar uma compensação específica de despesas, por exemplo, outra coisa totalmente diferente é discutir
em contratação coletiva se esse direito sequer existe. E isso faz toda a diferença, faz mesmo toda a diferença,
quando estamos a falar da regulação legal e do modo como redigimos a lei.
Uma segunda clivagem nestes projetos tem que ver com a regulação do tempo de trabalho. Foi a primeira
convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, que limitou o tempo de trabalho para as
8 horas diárias na indústria. Hoje, muitos trabalhadores e trabalhadoras estão conectados ao trabalho muito
mais tempo do que isso e, ao fazer com que a prestação de trabalho como que acompanhe o trabalhador onde
ele estiver, o teletrabalho potenciou a ideia errada de uma conexão permanente, de uma escravização pela
hiperdisponibilidade para responder às solicitações do empregador, mesmo no tempo de repouso.
Ora, como diz a lei, o tempo de descanso é um tempo de não trabalho e, por isso, o direito a «desligar» já
existe e não precisa de ser consagrado como uma coisa nova, mas, sim, de ser exercido. Para que esse
direito de quem trabalha possa ser exercido livremente, o Bloco entende que a lei deve acrescentar-lhe uma
obrigação explícita da entidade empregadora, a de não conexão durante esse tempo de descanso. Isto é,
deve ser explicitado e acrescentado à lei o dever de o empregador se abster de contactar o trabalhador fora do
horário de trabalho.
A este título, queremos sublinhar que a proposta do Partido Socialista é extremamente perigosa porque, à
boleia de um acordo sobre o direito a «desligar», cria um conceito separado do tempo de trabalho, o do tempo
de contacto. Tempo de contacto? Como assim?! O tempo em que um trabalhador pode ser contactado é
tempo de trabalho, é o seu tempo de trabalho, a menos que, paralelamente ao tempo de trabalho, se queira
criar um tempo de disponibilidade não remunerada para ser contactado diferente do tempo de trabalho. Aí,
estaremos perante uma armadilha arriscadíssima na qual não devemos embarcar.
Noutras questões, até por força da diretiva europeia de 2019 sobre a relação entre trabalho e vida
profissional e familiar, a qual Portugal terá, aliás, de transpor até agosto de 2022, cremos que poderá haver
uma base comum com vários partidos para fazermos caminho e garantirmos mais direitos para pais com filhos
menores ou para cuidadores ou cuidadoras informais.
O objetivo do projeto do Bloco e do processo legislativo que hoje desencadeamos é este. Não se trata de
incentivar o teletrabalho ou, sequer, de assumir que ele é o paradigma do futuro. Trata-se, sim, de disciplinar o
teletrabalho, assumindo que depois desta experiência da pandemia haverá uma parte minoritária, mas
existente, de trabalhadores que poderá querer permanecer neste regime e que é responsabilidade da lei
laboral, do Código do Trabalho — que só o Parlamento pode alterar! —, proteger quem trabalha e minorar os
riscos decorrentes do teletrabalho, clarificando conceitos, conferindo maior proteção e direitos, definindo
regras e obrigações imperativas, garantindo a manutenção de uma relação com os colegas e os contactos
presenciais, proibindo violações de privacidade, reparando acidentes, sempre a partir de princípios
fundamentais que enquadram todo o debate sobre o teletrabalho, em Portugal e na Europa. O primeiro é que