15 DE MAIO DE 2021
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falar dos custos que este esquecimento acarretará. Outros falarão de mercados livres, como se estes pudessem
existir sem regras.
O que propomos é isso mesmo: regras justas e assentes num acordo entre o Estado, o setor financeiro e os
representantes dos doentes oncológicos, pessoas com deficiência e utentes do sistema de saúde. Propomos
um acordo estendido a todos — a todos os utentes e a todo o setor financeiro — e que, na sua ausência,
prossegue na mesma como decreto-lei. E, se houver custos, serão partilhados entre todo o setor financeiro.
O propósito é simples: não podemos permitir que, anos depois, quem tenha superado a doença seja sujeito
a aumentos de preços ou exclusões de garantias. Para tal, devemos assegurar que as instituições de crédito e
seguradoras não recolhem nem guardam informação sobre riscos ultrapassados.
Caberá, claro, à ciência dizer quando é que, para cada doença, é justo dizer-se que o risco está ultrapassado.
Mas, à semelhança de outros países, esse esquecimento não poderá, em qualquer caso, demorar mais do que
10 anos ou 5 anos, no caso de a doença ter ocorrido até aos 21 anos.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos nós reconhecemos a batalha heroica que tantos travam contra
a doença oncológica.
Está na hora de reconhecer que quem vence essa batalha — os 350 000 sobreviventes de doença
oncológica, em Portugal — tem direito a comprar casa, a pedir crédito ou a contratar seguros, sem ser
discriminado.
Está na hora de instituir o direito ao esquecimento.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o projeto de lei do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Presidente da Comissão Europeia afirmou, e bem, que «em 2020, enquanto todos lutávamos contra a COVID-19, muitos de nós travavam uma luta
silenciosa: a luta contra o cancro». Numa União Europeia forte em matéria de saúde, as políticas referentes a
esta luta devem tornar-se uma prioridade política comum.
Sobreviver a um cancro é, em si mesmo, uma batalha dura, seja ao nível individual ou familiar, e torna-se
ainda mais difícil por causa dos entraves sociais e legislativos que dificultam o regresso a uma vida normal.
Não obstante as recomendações constantes do plano de ação europeu quanto à promoção do emprego
inclusivo e do acesso a serviços financeiros para estas pessoas, a discriminação, a desigualdade e o estigma
continuam a recair sobre quem sobreviveu a esta doença.
No acesso ao emprego, ao crédito — nomeadamente, para habitação —, aos seguros de vida e de saúde, a
outros produtos e respostas sociais, os sobreviventes veem-se condicionados, em função da exigência de
antecedentes clínicos relacionados com o cancro. Mesmo após a cura, são muitas as instituições financeiras
que continuam a limitar ou a agravar o acesso de pessoas com antecedentes clínicos de cancro, impedindo-as
ou colocando-as em condições de enorme desigualdade, perante a necessidade de obterem empréstimos ou
outros produtos financeiros.
Mesmo uma pessoa que tenha sofrido de cancro na infância e tenha ultrapassado com sucesso a doença, à
luz da nossa legislação atual, irá deparar-se com situações de discriminação na vida adulta.
Sr.as e Srs. Deputados: Estima-se em 12 milhões as pessoas sobreviventes de cancro, na Europa. Destas,
300 000 são crianças. Em Portugal, são diagnosticados, anualmente, cerca de 400 novos casos de cancro
pediátrico. Uma criança portuguesa com cancro, mesmo que ultrapasse sem sequelas esse processo e até não
tenha memória de ter estado doente, será um adulto com esse obstáculo, simplesmente porque o seu País não
tem legislação que a proteja desta discriminação e desta desigualdade social, no futuro.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, uma das maiores necessidades dos sobreviventes de cancro é verem
reconhecido o chamado «direito ao esquecimento», na nossa legislação. França foi o primeiro país a criar, em
2016, um regime de direito ao esquecimento para os sobreviventes de cancro e de outras patologias. Em 2020
e 2021, três outros países da União Europeia — Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos — criaram um regime
semelhante.