I SÉRIE — NÚMERO 76
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Por que não uma estratégia análoga em relação aos diferentes usos da canábis? A ênfase na liberdade
pessoal ou na consciencialização do consumo que estes projetos de lei defendem merecem uma melhor
contextualização.
O que aprendemos durante a presente pandemia foi a voluntariamente sacrificarmos a nossa liberdade para
proteger o «outro». No caso da canábis, tudo indica que ainda não saímos dessa fase.
O PS considera que estes projetos de lei merecem uma análise mais profunda no local apropriado. Ainda
bem que o Bloco de Esquerda e o Iniciativa Liberal pediram a descida dos projetos à comissão para permitir
esse debate no sítio próprio.
Sr. Presidente, gostaria de terminar esta minha intervenção com duas notas mais pessoais.
A primeira para agradecer as referências que me foram feitas e dizer que o mérito é dos especialistas que
trabalharam naquela Comissão. Quando fui convidado a presidir a essa Comissão desatei a rir-me: «Sei muito
pouco sobre este assunto, não sei porque me estão a convidar». A resposta foi muito inteligente: «É
precisamente por não vir com ideias feitas que queremos que presida a esta Comissão». Aprendi imenso com
a Comissão e agradeço àqueles que me ensinaram.
A segunda nota é, se calhar, mais coloquial, mas gostava de terminar dizendo o seguinte: eu faço parte da
geração Baby Boom, que viveu intensamente a sua juventude nos anos 60 do século passado, na África Austral
e na Califórnia. Vi nascer grupos como os Beatles, os Rolling Stones, os The Who e cantores como Bob Dylan,
Janis Joplin e Joan Baez. Naquela altura, muitos experimentavam as mais variadas substâncias, nem sempre
começando com a canábis, que era de acesso fácil no meios estudantil e académico. Os efeitos a curto, médio
e longo prazo foram dos mais diversos. Devo ser dos poucos que, por qualquer razão, nessa altura não teve
essa curiosidade. Ainda me lembro de muitos dos meus alunos quererem levar-me para as montanhas da
Califórnia comer «cogumelos mágicos».
Risos.
Talvez um dia, quem sabe? Tenho tempo.
Aplausos do PS, de pé, e do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Alexandre Poço, do PSD.
O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como hoje aqui já foi dito abundantemente, a descriminalização da posse para consumo de drogas em Portugal, aprovada nesta Casa
em 2001, reconheceu que os comportamentos aditivos têm por base um distúrbio de saúde. Como tal, assumiu-
se que a via criminal em nada poderia contribuir para a redução dos consumos, pelo que tais comportamentos
deixaram de ser alvo de processo crime. Em alternativa, os consumos passaram a constituir uma
contraordenação social e foram desenvolvidos mecanismos que procuraram assegurar ajuda e apoio
especializado ao consumidor.
Contrariando os receios à época, não se verificou um aumento dos consumos em Portugal, em comparação
com os demais países da União Europeia, nem se verificou um incremento do chamado turismo de narcóticos
no nosso País.
Na realidade, Portugal tornou-se uma referência mundial pelo carácter inovador da sua legislação, pela
redução da carga que estes casos representam no sistema judicial, pelo impacto neutral que teve nos padrões
de consumo e, sobretudo, por assumir a questão das dependências como um problema de saúde individual e
pública.
Volvidos 20 anos após a aprovação da lei que descriminalizou o consumo das drogas, a legalização do
cultivo, da venda e do consumo de canábis tornou-se um assunto recorrente no plano nacional e internacional,
especialmente fruto da ausência de resultados satisfatórios que a via proibicionista coloca em cima da mesa.
Por outro lado, registam-se cada vez mais exemplos de países e de Estados que têm abandonado a visão
proibicionista do consumo, embora com diferentes modelos de regulamentação do mercado, desde o cultivo à
venda.