I SÉRIE — NÚMERO 76
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consumo continua dependente de um mercado ilegal, um enorme negócio que continua a ser entregue à
criminalidade organizada.
Sr.as e Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda marcou o debate potestativo de hoje, sobre a legalização da
canábis para uso pessoal, porque entendemos que é mais do que chegado o tempo de virarmos esta página.
Muitos Estados seguiram o nosso pioneirismo, há 20 anos. Apliquemos nós, agora, os melhores exemplos
internacionais na legalização da canábis. Esse avanço legislativo, sensato e prudente, pode ser feito com amplo
consenso parlamentar, na presente Legislatura.
Nos últimos anos, vários países legalizaram o uso de canábis para consumo pessoal, como é o caso do
Canadá, do Uruguai e de vários estados e territórios dos Estados Unidos. Devemos olhar para estes exemplos
e aprender com eles. A prática é sempre o critério da verdade.
Lá, onde se deu o passo da legalização da canábis, isso contribuiu para o aumento dos índices de segurança,
regulou consumos, combateu eficazmente as redes de tráfico e o crime organizado, tirando-lhes o monopólio da
produção e da distribuição.
Estima-se que a canábis represente, globalmente, metade do lucrativo negócio criminoso do tráfico de
substâncias ilícitas, avaliado em cerca de 300 mil milhões de dólares.
Naqueles países, a legalização libertou recursos e meios das forças de segurança, concentrando-os onde
são mais necessários, e aumentou a receita fiscal.
Sejamos sérios: a legalização da canábis não conduz automaticamente a alterações nos padrões de
consumo. Tudo depende do modelo de legalização adotado. Consumo descontrolado é, na verdade, o que
temos hoje e é com ele que devemos romper, em nome da responsabilidade.
Propomos que a venda seja retirada das mãos dos traficantes e só possa ser feita por estabelecimentos
devidamente licenciados para o efeito. Propomos que o nível de THC (tetrahidrocanabinol), a substância ativa
da canábis, seja regulado segundo critérios de saúde pública, retirando das ruas produtos quimicamente
manipulados e substâncias não controladas, que representam, esses sim, um verdadeiro perigo para todos os
consumidores.
O Estado deve intervir no circuito de cultivo, de produção e de distribuição para uso não medicinal, retirando
toda e qualquer margem ao crime organizado. O dinheiro que a ilicitude e a desregulação canalizaram, durante
demasiado tempo, para a economia paralela deve dar lugar a uma atividade legal, controlada e alvo de um
imposto especial, que financie o desenvolvimento de políticas de prevenção, de redução de risco e de tratamento
de dependências, e o investimento no Serviço Nacional de Saúde.
Devemos escutar com atenção as palavras do antigo Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, que
nos dizia que é tempo de percebermos que as drogas são infinitamente mais perigosas se deixadas nas mãos
de criminosos, que não têm qualquer preocupação com a saúde e com a segurança.
Devemos legislar ouvindo o Presidente Jorge Sampaio, quando nos pede que regulemos de maneira rigorosa
substâncias que hoje são ilegais.
O Bloco de Esquerda propõe que hoje se abra um processo participado e inclusivo, que dê lugar a uma lei
ponderada, rigorosa e eficaz, que nos permita dizer, daqui a 20 anos, que demos um passo seguro, necessário
e responsável na evolução da política de drogas, no qual o mundo se pode rever e com o qual poderá continuar
a aprender.
É este o apelo que deixamos a todas as bancadas.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada Cláudia Bento, do Grupo Parlamentar do PSD, e a Sr.ª Deputada Sónia Fertuzinhos, do Grupo Parlamentar do PS, inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Fabian
Figueiredo.
Sr.ª Deputada Cláudia Bento, tem a palavra, para formular o primeiro pedido de esclarecimento.
A Sr.ª Cláudia Bento (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Fabian Figueiredo, fazendo uma breve contextualização, em Portugal, a utilização de canábis para fins terapêuticos foi legislada
em 2018, muito embora já antes estivessem aprovados medicamentos contendo extratos de canábis, que eram
utilizados para o tratamento de algumas patologias, como é o caso da esclerose múltipla.