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17 DE JUNHO DE 2022

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O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.a Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Caros Colegas: Esta semana, muitas famílias saíram para ir à terra, para passar os feriados na praia ou no interior do País, e muitos desses nossos

concidadãos e concidadãs, quando chegaram à bomba de gasolina e quiseram — se o poderiam — atestar o

depósito do carro, abriram a boca de espanto porque, embora já não fosse novidade, tiveram de gastar 100 €,

quando, ainda há relativamente pouco tempo, gastavam 50 €.

Muitos desses nossos concidadãos sabem das causas próximas do aumento nos preços dos combustíveis

e acham que elas estão lá longe, algures na Europa de Leste, na guerra na Ucrânia ou mais longe, nos campos

petrolíferos da Sibéria ou do extremo oriente da Federação Russa. Muitos deles e delas, mas muitos de nós

aqui também, nesta Câmara, ignoram, e ignoramos, que uma das raízes do problema está aqui, bem perto, no

Palácio das Necessidades, sob a forma de um tratado, chamado Tratado da Carta da Energia, que foi assinado

em Lisboa, em 1994, e de que Portugal é o fiel depositário.

Este é um tratado que é um vestígio da História e que rapidamente ficou muito datado. Estávamos no início

dos anos 90 e a Europa Ocidental queria assegurar-se de que tinha acesso fácil aos combustíveis fósseis do

Leste da Europa, da Federação Russa e da Ásia Central. Negociando este Tratado, achou que garantia essa

segurança de fornecimentos de combustível.

Porém, muito rapidamente se apercebeu de que o contrário se estava a passar: foi a Europa Ocidental que

ficou refém dos regimes petro-oligárquicos da Ásia Central e da Federação Russa e que, a partir daí, também

ficou refém das companhias oligárquicas, como a Gazprom ou a Yukos ou muitas outras destes países.

A Federação Russa do Sr. Vladimir Putin faz deste Tratado uma utilização puramente cínica, porque a Rússia

não é signatária do Tratado, aplica-o provisoriamente, mas utiliza as companhias, como a Gazprom e a Yukos,

para processar Estados, para assim recolher indemnizações que são depois encaminhadas para as famosas

carteiras de Vladimir Putin.

Trata-se de indemnizações que são pedidas a Estados que desejam, por exemplo, proibir a realização de

furos petrolíferos; trata-se, às vezes, de ameaças sobre Parlamentos, como o nosso. Por exemplo, em França,

o Governo francês pretendeu apresentar uma lei para acabar com a prospeção de petróleo em solo francês,

mas essa lei acabou retirada, sob pressão de companhias petrolíferas.

Porquê? Porque este Tratado — como, infelizmente, vários outros — tem cláusulas de disputa por

arbitragem, através de tribunais privados, que, sistematicamente ou na grande maioria dos casos, decidem a

favor das companhias petrolíferas e das outras companhias que negoceiam em combustíveis fósseis.

Portanto, evidentemente, os Estados, quando pretendem implementar as suas metas climáticas, que também

assinaram no Acordo de Paris — que foi assinado muito mais tarde —, veem-se presos a este fóssil de tratado

de 1994, que não lhes dá toda a flexibilidade para implementar as suas políticas verdes.

Assim, temos aqui um problema e um problema sério. A Itália já foi processada por querer proibir furos

petrolíferos. Denunciou o Tratado e, apesar de o ter denunciado e de juridicamente estar a sair dele, durante 20

anos, ele ainda se aplicará em Itália.

Outros países da União Europeia, entre os quais a França, o Luxemburgo e a Bélgica, são a favor de

denunciar o Tratado. E Portugal?

Portugal, nesta mesma Assembleia da República, aprovou a Resolução da Assembleia da República

n.º 67/2021, a partir de um texto, na altura, apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes» — que saúdo por

ter trazido esse tema aqui a debate —, resolução essa que tem um título muito claro: «Recomenda ao Governo

que rejeite um Tratado da Carta da Energia incompatível com os compromissos ambientais e os interesses da

população». Esta resolução também recomendava ao Governo que promovesse um amplo debate sobre o

Tratado da Carta da Energia, de modo a permitir avaliar os seus reais riscos para o ambiente e os interesses

nacionais.

A pergunta é simples: alguém tem dado por esse amplo debate? Claro que não.

Qual é a posição do Governo acerca deste Tratado da Carta da Energia? A posição é que acompanha os

esforços da Comissão Europeia para modernizar o Tratado. Ora, esses esforços são, ao mesmo tempo, tímidos

demais e ambiciosos demais. Tímidos demais porque, mesmo que resultassem, não acabavam com o problema

dos tribunais privados que decidem contra os interesses públicos. Mas são ambiciosos demais, porque,

precisando de unanimidade, é óbvio que nem esses esforços de modernização da Comissão Europeia chegarão

a bom porto.

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