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I SÉRIE — NÚMERO 90

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ligar para Santarém, de onde lhe responderam: «Se está com pressa, marque diretamente para a clínica e

pague!»

No Hospital Garcia de Orta, o circuito imposto a quem quer fazer uma interrupção da gravidez é um

labirinto de dificuldades, desmazelos e erros. A Carolina e Maria, de 25 e 27 anos, disseram que é preciso

esperar pelas sete semanas e meia, quando já há batimento cardíaco.

A edição de hoje do Diário de Notícias traz a história de Camila, de 34 anos, oito semanas de gestação,

que tenta falar com o Hospital de Santa Maria e depara-se apenas com uma parede.

O problema é simples: a lei da interrupção voluntária da gravidez, que estabelece que o aborto não é

punível até às 10 semanas, não está a ser cumprida; a lei que obriga a que o SNS se organize para cumprir

este direito das mulheres não está a ser cumprida; os prazos que a lei prevê não estão a ser cumpridos.

Uma mulher que queira abortar pode ser obrigada a passar semanas a viajar quilómetros, desprezada,

recriminada, exposta publicamente, não sabe onde encontrar informação e, quando finalmente consegue que

lhe atendam o telefone, tem de relatar, vezes sem conta, a sua história, submetendo-se, vezes sem conta, a

novos juízos de valor — e tudo para exercer um direito que é seu, um direito que a lei diz que é seu.

Muitas mulheres esperam para lá do limite razoável do prazo legal, mulheres que são empurradas para o

privado, porque não conseguem no SNS abortar dentro das 10 semanas, e sabe-se lá quantas mulheres não

são forçadas à gravidez ou à clandestinidade, porque a falta de resposta e o jogo do empurra fazem passar as

10 semanas.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, primeiro disse desconhecer a

situação das dificuldades de acesso à interrupção voluntária da gravidez. Depois, admitiu que existem casos

pontuais, mas, ainda assim, afirmou: «Os nossos resultados são excelentes. A lei está a ser globalmente

cumprida e temos belíssimos indicadores sobre o cumprimento de prazos.» Há apenas um problema: é que

estas declarações não correspondem à verdade.

A médica Teresa Bombas, da Sociedade Portuguesa da Contracepção, revelou que a verdadeira situação

é conhecida da tutela — a verdadeira situação é aquela relatada pelo Diário de Notícias — e acrescentou que,

por diversas vezes, as autoridades portuguesas foram alertadas.

O Bloco de Esquerda, em 2018, fez um levantamento e concluiu — e fez saber que tinha concluído — que

grande parte dos ACES (agrupamentos de centros de saúde) não disponibilizava consulta prévia, que havia

um labirinto de referenciações, que a resposta não existia em muitos hospitais públicos. Dessa consulta

resultou um projeto de resolução, aprovado por larguíssima maioria nesta Casa, que continua por cumprir.

Nada mudou.

Aqui chegadas, é preciso dizer que esta situação é inaceitável. Estão aqui muitas mulheres que deram

anos da sua vida à luta pelo direito ao aborto, pelo direito à saúde, pelo direito a decidir,…

A Sr.ª Rita Matias (CH): — E o direito dos bebés?

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … pelo fim da perseguição social e judicial das mulheres, pelo fim de

interrogatórios e de exames ginecológicos forçados, pelo fim de processos criminais, de condenações, de

abortos clandestinos em vãos de escada, pelo fim de viagens ao estrangeiro e pelo fim da morte de mulheres

por abortos inseguros.

Não esquecemos que, até 2008, o aborto clandestino era a 3.ª causa de morte das mulheres em Portugal.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E é a 1.ª causa da morte dos fetos!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Manuel Pizarro garante que tudo vai ser rápido — coisa pouca, em poucas

semanas estará tudo resolvido. Mas o Diretor Executivo do SNS parece ter uma perspetiva muito menos