6 DE OUTUBRO DE 2023
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O Sr. Rui Tavares (L): — Isso não introduz uma diferença no mesmo recreio em que estão a brincar, juntos,
miúdos que podem ter telemóvel e outros que não podem ter telemóvel? O próprio princípio da precaução não
teria aconselhado a que se começasse pelo 1.º ciclo apenas e se esperassem os estudos para depois poder
avançar com outras medidas?
O Sr. Filipe Melo (CH): — Explica lá isso?!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Castro, do
Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Carla Castro (IL): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Smartphones, ecrãs nas escolas e nos recreios
— haverá uma resposta única? Haverá comparação entre os recreios, por exemplo, numa escola de Lisboa,
num sistema de ensino tradicional, ou num sistema de ensino híbrido no meio rural? Não, não há.
Tal como não há essa mesma resposta, também temos de saber distinguir entre os papéis de mãe, pai, tutor,
pedagogo e produtor de política pública.
Neste tema, como nos outros, devemos sempre duvidar da bondade de uma solução única e centralizada. A
autonomia das escolas e a atenção aos casos específicos são essenciais.
A tecnologia está cada vez mais presente na vida profissional e pessoal de todos nós, e necessariamente,
também, dos alunos. Esta é uma tendência global que veio para ficar, que encerra oportunidades e que encerra
desafios. A tecnologia não é nem a solução para todos os problemas, nem a origem de todos os males. A
tecnologia não deve ser vista como uma coisa singular, única; é, sim, diversa nas formas, na intensidade, nos
fins e nos contextos, e é nessa combinação que há vantagens e desvantagens.
Por exemplo, em sala de aula, há obviamente a criação de aprendizagens nas dinâmicas, na literacia digital,
no ambiente de jogo e na adaptabilidade a diversos ritmos de aprendizagem. A própria investigação, a pesquisa
e a criatividade são positivas.
Importa também falar da literacia digital: estamos perante novos adventos — a inteligência artificial, por
exemplo — e não podemos descontextualizar isso do nosso futuro.
Mas também é verdade que, numa utilização muito intensiva, as evidências em estudos cada vez
demonstram mais isto: diminui a capacidade de atenção, prejudica o desenvolvimento e consolidação de
competências de socialização, em especial nas componentes da empatia, e comporta riscos para a saúde física
e mental, incluindo o cyberbullying.
De um ponto de vista mais técnico, veja-se, por exemplo, o perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória,
que nos remete para competências digitais, mas também para outras. Aqui entra algo que é difícil de legislar,
chamado «bom senso». As normas sociais e comportamentais são fundamentais, sobretudo nos primeiros anos
de vida, em que estamos a adquirir competências e até a moldar a personalidade. Isto implica que a escola
assuma um papel muito relevante no uso saudável e responsável da tecnologia, em contexto escolar e fora dele.
Significa que a literacia digital é fundamental, as competências são fundamentais, mas simplesmente não
pode ser esquecida a dimensão social fora da tecnologia. A proibição que se tem vindo a verificar em algumas
escolas resulta não da tecnologia em si mesma, mas da falta de consciencialização e do uso desenfreado.
Importa, claramente, privilegiar a autonomia das escolas, considerando a possibilidade de adaptação a
diversos modelos pedagógicos. Porque é que, no 1.º ciclo, tem de haver uma consideração, de momento,
estanque, por exemplo, entre uma sala e um recreio? Porque é que não pode haver ambientes mais híbridos?
Não há respostas únicas, reitero. Importa avaliar os limites do uso de tecnologia com o envolvimento da
comunidade educativa. Ela nunca pode estar fora desta equação. Importa também capacitar os alunos para uma
utilização saudável da tecnologia e isso permite dar as ferramentas não só para a escola, mas para fora dela,
daí a importância de promover competências de autorregulação dos alunos.
As nossas votações seguirão, assim, estas regras e, reitero a autonomia das escolas e o papel da
comunidade escolar, porque o contexto importa, porque a escolha e a diversidade importam.
Termino a relembrar que a pandemia demonstrou, com uma gigante violência, o impacto do não-contacto
físico, da falta do sorriso e dos abraços, o impacto do confinamento na motricidade, no corpo humano e, sim, na
alteração das relações humanas. O crescimento inclui interação social.