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II SÉRIE — NÚMERO 1

Os avisos do anjo-da-guarda

Por cá, entretanto, e como consequência da contingentação às importações, começou a faltar b café.

A maioria dos industriais do sector principiou a deitar as mãos à cabeça. Sem café, as suas empresas teriam de fechar.

Começou então a chantagem ...

Devido a jogadas de antecipação que, em alguns casos só podem ter sido consequência de avisos feitos por pessoas bem metidas nos meandros do Governo, o café passou a estar quase exclusivamente nas mãos de dois ou três industriais.

Efectivamente, e basta referir o caso das importações de 1977, o sector assistiu a autênticos golpes de teatro que só podiam ter sido ensaiados nos gabinetes governamentais. Por exemplo:

Para 1977, foi fixado um limite máximo de importação de café no valor de 800 000 contos. Este limite foi fixado por portaria publicada no dia 27 de Fevereiro desse ano. Pois nesse mesmo dia, imagine-se, o limite estabelecido já estava ultrapassado em cerca de 1 500 000 contos.

Realmente, o caso é muito estranho. Embora, e lá está o que referi no primeiro artigo desta série, esteja tudo perfeitamente legal. Assim e curiosamente, dois industriais «iluminados» pelo anjo-da-guarda, fizeram sozinhos, em menos de dois meses, quase o triplo das importações que estavam destinadas a todo o sector para o ano inteiro ...

Entretanto, aos outros industriais passaram a ser sistematicamente negados os boletins de importação.

Mas sobre este caso quem poderá dar boas informações sãos as Dr.as Rita Balbina Colher e Alda de Carvalho, chefes de serviço, o Dr. Boavida, chefe de licenciamento e registo prévio do Ministério do Comércio Externo, e, sobretudo, o Sr. Dr. António Celeste, do Partido Socialista e Secretário de Estado nessa data ...

Acrescente-se ainda que, por várias vezes, as quantias, em dólares, constantes nos boletins de importação tiveram um valor superior ao custo real do produto, possibilitando assim a compra de muitas mais toneladas de café do que as autorizadas ou, se se quiser igualmente aventar essa hipótese, possibilitando uma fuga de divisas...

Possuidores da quase totalidade do produto, em Portugal, toda a comercialização do café passou a ser feita segundo as exigências e condições de preço impostas pelos amigos do anjo-da-guarda ...

(De O Comércio do Porto, de 24 de Setembro de 1978.)

A culpa é do Governo

Para O Comércio do Porto a culpa é do Governo, acusação que é feita nos seguintes termos:

E eis-nos chegados ao momento de fazer a pergunta principal desta reportagem que, há seis dias, temos vindo a publicar: Quem é o grande responsável por esta situação?

Quem é o culpado pela existência de homens de fatos cinzentos, quem permite que se criem ocasiões de corrupção, quem provoca a fraude, quem torna fácil a ilegalidade?

Não há a mínima dúvida sequer: o culpado é o Governo!

Ao impor a limitação à importação de produtos de consumo, seja o café, o bacalhau, o açúcar, as bananas ou outra coisa qualquer, o Governo está, automaticamente, a dar origem aos circuitos de importação e comercialização clandestinos.

Só o facto de não haver livre importação de café é que permitiu o aparecimento de alguns aventureiros que, golpe a golpe, passaram a ter o exclusivo do produto. Logo, a fornecê-lo aos outros industriais impondo condições na venda e preços que, por sua vez, se reflectiram na bolsa do consumidor.

No dia em que cada industrial for livre de importar o produto necessário às suas carências de produção e venda, deixam indistintamente de existir especuladores, circuitos de candonga, passando a haver não só abundância no abastecimento como a salutar concorrência, que quase sempre resulta a favor do público.

Neste caso concreto do café, foi o Governo o responsável pelas centenas de milhares de contos que, a dezenas de escudos por quilograma, pagámos a mais pelo produto.

Muito poucos serão, como já dissemos, os comerciantes que têm a sua escrita limpa de vigários. A maior parte deles, certamente, alinhou a custo na ilegalidade. Mas, como já expliquei, não tinham segunda alternativa: ou viciavam a escrita e escolhiam o caminho da fraude, ou tinham de fechar a porta, lançando no desemprego centenas de trabalhadores.

Claro que «os por fora» exigidos por baixo da mesa, fomos nós que os pagámos ... Mas, mesmo assim, sei que alguns comerciantes só acederam a participar na vigarice porque estavam, como se costuma dizer, «com a corda ao pescoço».

Até porque, veja-se, os comerciantes, apesar de, para pagar a chantagem, levarem o café mais caro ao consumidor, não tiveram com esse aumento, qualquer tipo de lucro extra. Simplificando, diremos que os comerciantes foram obrigados a ir-nos ao bolso para dar a outros.

(Do Expresso, de 30 de Setembro de 1978.)

DOCUMENTO N.° 4 Lisboa, 10 de Outubro de 1978.

Ex.mo Sr. Director de O Comércio do Porto:

Só muito tardiamente, e em circunstâncias que não interessa referir, tomei conhecimento de uma série de artigos, sob o título «Café: negócios amargos», da autoria do Sr. Fernando Barradas.

No terceiro da série, com a rubrica «Um negócio de milhões de contos», publicado em O Comércio do Porto, de 24 de Setembro, alude-se à ida a Luanda de «um importante elemento do Partido Socialista», «velho democrata e lutador antifascista», concretizando-se que a «veneranda figura do Partido Socialista foi a Angola servir de intermediário entre os milionários do café e Agostinho Neto, num negócio de milhões de contos. Sublinhe-se: milhões de contos».

Pelas referências que ficam apontadas, e sabido — o que sempre foi claro e público — que sou amigo