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23 DE JANEIRO DE 1988

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judicialmente, quando a pessoa obrigada ao seu pagamento não cumpra os seus deveres. O Estado ficará então sub-rogado nos direitos dos menores, devendo exigir ao devedor as pensões não pagas.

Trata-se de soluções cuja concretização no direito português se afigura urgente, face às carências existentes e aos imperativos constitucionais.

A Organização Tutelar de Menores, tal como se encontra, continua a não dar cumprimento a essas directrizes e tão-pouco se adequa aos princípios que informaram a reforma do Código Civil no que toca à família e ao instituto dos alimentos.

Se a pessoa obrigada à prestação de alimentos está ausente em parte incerta, se está ausente no estrangeiro, ainda que se lhe conheça o paradeiro, se trabalhar por conta própria, se mudar constantemente de emprego, se não cumprir a sua obrigação — que pode fazer a pessoa a quem foi confiada a guarda do menor?

No primeiro caso — ausência em parte incerta — nada há a fazer. Apenas emoldurar a sentença do tribunal como recordação da inoperância da legislação, do demissionismo do Estado.

No segundo caso — ausência no estrangeiro — verifica-se extrema dificuldade em fazer funcionar a convenção sobre o reconhecimento e execução das decisões relativas às obrigações alimentares, ratificada por Portugal, bem como os instrumentos internacionais celebrados com vários Estados.

Uma que outra vez, atinge-se a finalidade. Mas quantos anos após a decisão judicial? Depois de que labirintos e barreiras burocráticas?

No terceiro caso — o do trabalhador por conta própria que não cumpre — normalmente «não tem bens e não tem rendimentos». Daí a total impossibilidde de fazer funcionar o artigo 1118.° do Código de Processo Civil. Mas ainda que haja bens e rendimentos, o alimentado terá de aguardar pacientemente o decorrer dos largos meses ou até anos, defrontando-se com repetidas certidões negativas de notificação do executado.

No último caso — o do trabalhador que frequentemente muda de emprego — haverá que renovar periodicamente perante o juiz a solicitação de proceder a inquérito para determinar qual a nova entidade patronal do faltoso.

Mas no meio de tudo isto ainda há a situação trágica, que hoje é frequente realidade, daqueles que, empregados, não recebem salários há vários meses, que querem cumprir e não podem e aos quais nada se pode descontar no (inexistente) vencimento.

3 — As propostas do PCP

O presente projecto de lei visa dar resposta a essas questões. Para os casos de incumprimento de uma decisão judicial relativa a alimentos devidos a menor residente no território nacional propõe-se que o Estado assegure a prestação necessária para suprir a que tenha ficado em falta e não tenha sido possível obter através dos mecanismos do artigo 189.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de Outubro (Organização Tutelar de Menores). Exceptuam-se, no entanto, os casos em que o alimentado não tenha especiais carências. Compreende-se que assim seja: a manutenção da vida está nestes casos assegurada.

Estabelece-se também um limite para os casos de pluralidade de alimentos e para as hipóteses (raras) em que a pensão de alimentos exceda o salário mínimo nacional.

A prestação mensal por parte do Estado não pode exceder, por cada devedor, o montante daquele salário.

Processualmente, estabeleceu-se um regime simplificado, aliás próprio dos processos regulados na Organização Tutelar de Menores.

Tem vantagens e inconvenientes a opção por um sistema jurisdicionalizado de atribuição de prestações. O direito comparado oferece soluções que cometem à Administração o papel que o projecto confia aos tribunais e sabe-se com que dificuldades estes vão dando resposta às tarefas que hoje lhes cabem...

O regime que se propõe, com vista ao necessário debate, procura garantir a máxima celeridade, compatível com a indispensável segurança.

A prestação mensal que o Estado deve assegurar é fixada pelo tribunal, a requerimento do representante legal do menor, do curador ou da pessoa à guarda de quem o menor se encontre. O juiz poderá atribuir a prestação com urgência, a título provisório, e decidirá definitivamente após ter procedido às diligências de prova que entender necessárias e a inquérito sobre as necessidades do menor. A decisão do juiz é susceptível de recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo. Quando este cesse ou se altere a situação de incumprimento ou quando se modifique a situação do menor, o representante legal ou a pessoa à guarda de quem este se encontre ficam obrigados a informar o tribunal ou a entidade responsável pelo pagamento. Recebidas prestações indevidamente, devem as mesmas ser restituídas, com juros de mora, quando haja incumprimento doloso do dever de informação.

Para execução do sistema proposto, cria-se um Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, que fica sub-rogado em todos os direitos de menores, com vista ao reembolso dos montantes em divida. Dados os meios de informação e os serviços de que o Estado dispõe, a atempada recuperação dos montantes em dívida permitirá diminuir o peso sobre o OE de situações de incumprimento que hoje pesam irreme-mediavelmente sobre os orçamentos de tantos cidadãos.

As medidas propostas pelo PCP preenchem uma grave e sentida lacuna do nosso ordenamento jurídico, dão cumprimento a princípios constitucionais de fulcral importância, atendem a uma realidade dramática, face à qual o Estado não pode ficar indiferente.

Só uma lei como a que ora se propõe poderá fazer com que para milhares de crianças, jovens e mulheres o direito a alimentos deixe de ser uma proclamação sem substância, para passar a representar uma realidade segura e certa.

Nestes termos, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Garantia de alimentos devidos a menores

Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.° do Decreto-Lei n.° 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.