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16 DE JUNHO DE 1988

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Antes de mais, há que fazer um pouco a história, ainda que breve, dos preceitos constitucionais que se ocupam dos estatutos das regiões autónomas.

O artigo 228." da Constituição, na sua redacção originária, estabelecia o seguinte:

Estatutos

1 — Os projectos de estatutos político-adminis-trativos das regiões autónomas serão elaborados pelas assembleias regionais e enviados para discussão e aprovação à Assembleia da República.

2 — Se a Assembleia da República rejeitar o projecto ou lhe introduzir alterações, remetê-lo-á à respectiva assembleia regional para apreciação e emissão de parecer.

3 — Elaborado o parecer, a Assembleia da República tomará a decisão final.

Por sua vez, o artigo 302.°, norma incluída entre as disposições finais e transitórias, determinava nos seus n.os 2 e 3 o seguinte:

2 — Até 30 de Abril de 1976, o Governo, mediante proposta das juntas regionais, elaborará, por decreto-lei, sancionado pelo Conselho da Revolução, estatutos provisórios para as regiões autónomas, bem como a lei eleitoral para as primeiras assembleias regionais.

3 — Os estatutos provisórios das regiões autónomas estarão em vigor até serem promulgados os estatutos definitivos, a elaborar nos termos da Constituição.

Não se aludia em nenhuma das disposições citadas, nem, aliás, em parte alguma da Constituição, a «alterações» dos estatutos, fossem provisórios ou definitivos.

Facilmente se apreendia, porém e desde logo, no necessário contexto constitucional, o sentido, alcance e razão de ser do n." 3 do artigo 30.° da Constituição, ao dispor que:

3 — Os estatutos provisórios das regiões autónomas estarão em vigor até serem promulgados os estatutos definitivos, a elaborar nos termos da Constituição.

É que, por força do n.° 2 do já citado artigo 302.° da Constituição, o estatuto provisório revestiria, como revestiu, a mera forma de decreto-lei. No caso da Região Autónoma da Madeira, o Decreto-Lei n.° 318-D/76, de 30 de Abril, cujo artigo 7.°, n.° 2, se pretende alterar através da proposta de lei n.° 57/V, vinda da Assembleia Regional da Madeira, e que foi objecto de decisão de admissão do Presidente da Assembleia da República, da qual foi interposto o recurso em apreciação.

Ora, se não se tomasse a cautela adoptada no n.° 3 do artigo 302.°, corria-se o risco de, enquanto não fosse elaborado o estatuto definitivo pelas assembleias regionais e desencadeado o processo da sua aprovação, o Governo e a Assembleia da República poderem, por iniciativa própria, vir a introduzir as alterações que entendessem, no âmbito das suas competências legislativas, nos estatutos provisórios.

Foi isto, e tão-só, o que a Constituição quis prevenir e evitar, de modo que, mesmo em relação a eventuais alterações dos estatutos provisórios e não obstante revestirem a mera forma de decreto-lei, não fosse preterida a reserva de iniciativa das assembleias regionais em matéria de estatutos, nem ofendido o princípio constitucional da autonomia que tal reserva comporta.

O actual artigo 294.° da Constituição, que recolheu ipsis verbis o n.° 3 do artigo 302.° da Constituição, na sua redacção originaria, manteve-se, pois, com igual sentido e alcance.

As alterações introduzidas na última revisão constitucional no artigo 228.° vêm reforçar este entendimento, ao aditar-se àquela disposição um n.° 4, em que se estabeleceu que o regime nele previsto é aplicável às alterações dos estatutos, sem se distinguir entre estatutos provisórios e estatutos definitivos, não se podendo assim deixar de concluir que se quis abarcar ambas as hipóteses, já que ubi lex non disíinguit non distinguitur.

O facto de o artigo 294.° da Constituição referir que os estatutos provisórios das regiões autónomas estarão em vigor até serem promulgados os estatutos definitivos não significa que entretanto não possam ser introduzidas alterações pontuais, pois não é por isso que deixarão de manter-se em vigor como estatutos provisórios.

Importa, sim, que na introdução e tramitação de tais alterações se respeite o preceituado nos artigo 228.° da Constituição e 164.° a 168.° do Regimento da Assembleia da República.

Aliás, não faria sentido que as assembleias regionais, por força do disposto no artigo 228.°, pudessem tomar a iniciativa de revogar integralmente os estatutos provisórios e não pudessem tomar a iniciativa de lhes introduzir alterações pontuais, contrariando-se o princípio de que «quem pode o mais, pode o menos».

Qualquer outra interpretação do artigo 294.° da Constituição, desarticulada dos demais preceitos constitucionais, que conduza à conclusão de que os estatutos provisórios se têm de manter forçosamento inalterados e in integrum até à promulgação dos estatutos definitivos, contrariando-se qualquer iniciativa das assembleias regionais, determinada pela conveniência das regiões em alterar pontualmente o estatuto provisório, é atentória do princípio constitucional da autonomia.

Nada deve impedir que na interpretação da Constituição se recorra aos princípios gerais, designadamente do disposto no artigo 9.° do Código Civil, que refere que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada, e ainda que na fixação do sentido e do alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Se consultarmos o Diário da Assembleia Constituinte, n.05 124 e 125, de 24 e 25 de Março de 1976, que registam o debate sobre as disposições relativas aos estatutos das regiões autónomas, verifica-se que as diferentes posições partidárias reflectiam, de um modo geral, a preocupação de que fosse assegurada, em matéria de elaboração dos estatutos das regiões autónomas, a par-

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