16 DE JULHO DE 1992
1032-(3)
Para entender a mudança, sobretudo representada por Maastricht, também parece útil esclarecer o chamado «conceito de subsidiariedade», tão usado para afirmar que a soberania não está em causa. De lacto, com raízes na doutrina clássica, cimeiramente representada pelo doctor eximius Francisco Suarez, o próprio Estado soberano é urna criatura subsidiaria da sociedade civil e a soberania tem duas componentes, ambas susceptíveis de restrição: o complexo de interesses a seu cargo, que variam no tempo e no espaço e que toma desigual o conteúdo da soberania formalmente igual e o complexo de poderes destinados a gerir tais interesses, que se repartem desigualmente em termos de existir urna efectiva hierarquia dos Estados. Dizer que esta variação de úreas de interesses e de complexo de ptxleres se pnx:essa pelo consentimento e sem afectar a identidade nacional parece frágil invocação cultural, porque as nações cativas também possuem a identidade nacional e a soberania foi-lhes completamente retirada.
O chamado «eleito do Tratado de Maastricht», concluído em Dezembro de 1991, mostra definitivamente que é o conceito e a realidade das soberanias que estão em causa: tis temas da cidadania europeia, do voto dos estrangeiros nas eleições municipais e europeias, da adopção da mtxída única em benefício de um banco central europeu independente e o abandono da política nacional de vistos obrigam à revisão constitucional, provavelmente, na Alemanha, na Bélgica, em Espanha, na Irlanda, no Luxemburgo e em Portugal, o que parece suficiente para mostrar que a soberania está em causa.
Talvez não haja vantagem em acentuar a aparência de uma política à procura de uma ideologia, submetendo este efeito constitucional a um esquema teórico de diferenças entre escolas de interpretação, as comunitaristas e os esta-dualistas. O que merece certamente mais atenção é a circunstância de a partir do alastramento daquilo que foi chamado «a vingança das nações», da Guerra do Golfo, e do encadeamento do Acto Único, Plano Delors e Acordo de Maastricht, toda a questão da arquitectura política se agudizou, e parece inegável a necessidade de assumir que o modelo do Ocidente dos Estados soberanos está em mudança, que a soberania está em crise, que o princípio da subsidiariedade afecta ao mesmo tempo a área dos interesses e a área dos poderes que a integram, que não são apenas as identidades nacionais que estão etn causa, como demonstram as nações cativas, o que está em causa é a nova medida da real autodeterminação, variável dentro da hierarquia dos Estados, é a necessidade de responder ao primado do político, é o assumir que são mais exigentes as hesitações das páginas finais de Fukuiama do que toda a volumosa demonstração de fim da História, que essas páginas finais infirmam. A«queda no mundo», que resultou da queda do Muro, transformou em variável dominante, como diariamente se comprova no semestre em curso, a política externa e de segurança comum (PESC), criada pelo Tratado da União Europeia, contemplada no título v, e este obriga a medir com realismo a exiguidade relativa dos Estados e a decidir sobre o tipo de unidade política que fará parte dos futuros a anunciar pelas próximas conferências intergovernamentais.
Não chega deixar cair as referências à federação para que o modelo desapareça da lógica do processo. Negar que a soberania está em causa parece uma atitude tributária do temor reverencioso pelo modelo clássico e contrária ao realismo com que os factos devem ser assumidos, tentando repudiar os embaraços semânticos. Os embaraços semân-
ticos estão a contribuir para que a dinâmica do processo político deslize para pertencer, em obediência às leis weberianas, ao aparelho eurocrático, com apagamento da criatividade que se espera dos órgãos de gesulo política. O debate político tende para se desenrolar entre governos todos virados para o «centro», que é a Comissão, com frequente alheamento das opiniões públicas e dos órgãos de soberania nacionais.
A lógica weberkina que está em exercício, se deixada em liberdade, encaminha visivelmente para uma federação de tipo histórico, para o elitismo que já teve expressão no Conselho de Segurança da ONU ao confiar o poder supremo a um restrito directório, para abonar a transformação interna, com exigências do alargamento, para a provável hierarquia dos Estados, com o modelo de superpotência no horizonte.
Por seu lado, o europeísino integral que defendemos que concebe a Europa do Atlântico à nova fronteira a fixar algures a leste e que considera que terminar de vez com a guerra civil dos povos europeus é o objectivo cimeiro; que sabe que a subsidiariedade começa com o Estado e deve estar presente em todo o prtxxsso; que não confunde a preservação das identidades nacionais com a necessária autonomia de gestão livre das suas especificidades; que reconhece que os grandes espaços são a resposta ao progresso estrutural das interdependências, e que as violências sistémicas apenas tendem para reacender os conflitos históricos: esse europeísino não confia na repetição de modelos históricos nascidos em diferentes conjunturas, defende o gradualistno, o predomínio dos órgãos políticos sobre o aparelho eurocrático, a intervenção eficaz dos parlamentos nacionais, a dignidade igual dos Estados independentemente da sua dimensão, a recusa do directório e da superpotência, o federalismo funcional dos Estados soberanos e das autoridades funcionais. Tudo isio exige uma especial consideração quando o título v do Tratado da União Política estabelece as «disposições respeitantes a uma política estrangeira e de segurança comuns», com vários anúncios sobre uma próxima defesa comum, e etn ttxlo o caso deixando supor que a evolução poderá vir a impor comissários para os negócios estrangeiros e para a defesa.
Num discurso proferido em Lisboa, em 19 de Fevereiro úlümo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo disse: «É necessário evitar a reflexão sobre o futuro a médio prazo na praça pública e transformar tal reflexão num grande debate político.» Parece exactamente o contrario do que é aconselhado pela experiência, do que é documentado pela Itislória deste século, e do que é exigível pelo direito dos povos a disporem de si próprios. Pitra durar, a unidade possível tem de ctirresponder a um desígnio assumido pelos povos, não pode ser uma surpresa liderada por diligentes transitórios, porque a questão fundamental é a que diz respeito aos futuros possíveis tii unidade política e, muito concretamente, à questão inevitável da hierarquia fuiura das potências dentro da unidade institucionalizada.
O problema é o de saber se está instalada uma dinâmica sistémica que tome incontrolável uma evolução que implique uma hierarquização interna das potências agora formalmente iguais e soberanas, a supremacia de um directório, a desigualdade efectiva, jurídica e de facto e, então, a inevitável e dolorosa revolução cultural destinada a tomar coerentes a memória histórica, a percepção da realidade nova e a funcionalidade dentro do novo sistema. Parece evidente que o fuluro vai acontecendo sem participação activa das comunidades, mantidas longe dos debates que