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II SÉRIE - A — NÚMERO 6

PROJECTO DE LEI N.2 23/VI

ESCLARECE E EFECTIVA A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS AOS CIDADÃOS.

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

I

0 projecto de lei n.° 23/VI, a que respeita este parecer, foi apresentado pelo Partido Comunista Português, que, invocando o artigo 22." da Constituição da República, se propõe regular a responsabilidade do Estado por actos jurisdicionais lícitos que violem direitos, liberdades e garantias dos cidadíios.

Pelo artigo 168", n." 1, alíneas b e q), da Constituição da República, é da exclusiva competência desta Assembleia — salvo autorização ao Governo — legislar sobre direitos, liberdades e garantias e ainda acerca da organização e competência dos tribunais e estatuto dos respectivos magistrados.

Em razão da matéria será, portanto, a esla Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que caberã emitir parecer sobre o referido projecto de lei n." 23/VI.

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1 — O artigo 22." do texto constitucional dispõe:

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

Com base neste preceito pretende o projecto de lei ti." 23/VI avançar no sentido de que a responsabilidade do Estado abranja os actos jurisdicionais lícilos causadores de lesões especiais e anormais aos cidadãos.

2 — Ü projecto de lei não se coloca na área da responsabilidade contratual do Estado ou na derivada de actos de gestão privada.

Pretende progredir no campo da responsabilidade extracontratual do Estado por actos de gestão pública.

Não obstante a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de 1789 ('), pode dizer-se que até finais do século xix a irresponsabilidade do Estado por actos de gestão pública foi praticamente a regra.

A primeira Constituição Portuguesa, de 1822 (2), e os textos constitucionais que se lhe seguiram, para defesa dos

(') Como exemplo, entre outros, cita-se i> artigo 15.":

A Sociedade tem o direito de pedir contas a lodo o agente público pela sua administração.

(•) O artigo 14" da Constituição de 1822 estabelecia:

Todos as empregados públicos serão eslritaiikenli* responsáveis pelos erros de oficio e abusos do poder, na conformidade da Constituição e tia lei.

direitos individuais, imputavam a responsabilidade por actos de gestão pública aos funcionários que os praticavam.

O seu alcance prático foi, no entanto, sempre muito reduzido, ou quase anulado, pelo sistema de garantia administrativa então em vigor, que condicionava a perseguição judicial à necessidade de autorização prévia do õrgão ou agente hierarquicamente superior.

Com o Código Civil de 1867 a defesa dos direitos dos cidadãos contra a Administração tomou forma no artigo 2399." que manteve a imputação da responsabilidade ao funcionário.

Esta responsabilização mostrou-se, no entanto, insuficiente como garantia, sujeita como estava à ameaça da insolvência do agente público.

A acrescer, o receio que provocava nos funcionários e o consequente efeito paralisador dos serviços — sem referir eventuais concepções organicistas do Estado — foram determinantes no alargamento da responsabilidade aos órgãos públicos.

A reforma de 1930 do Código Civil (4) veio fortalecer a responsabilidade do funcionário com a introdução da solidariedade do Estado, aditando ao transcrito artigo 2399." (3) o seguinte: «sendo neste caso solidariamente com eles responsáveis as entidades de que forem serventuários».

Entretanto o Código Administrativo de 1940 — artigos 366." e 367." — veio expressamente cominar para as autarquias locais a responsabilidade perante terceiros pelas ofensas resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos seus órgãos ou agentes.

Foi-se assim construindo uma tutela cada vez mais eficaz, embora ainda insuficiente, dos direitos fundamentais do cidadão ao acentuar-se a responsabilidade solidária extracontratual do Estado pelos prejuízos decorrentes da sua actividade de gestão pública.

A tradição do nosso direito nunca ajudou porque — segundo Manuel de Andrade (5) afirmava, com apoio generalizado (6) — ela é contrária á responsabilidade civil das pessoas colectivas públicas.

3 — Com o Decreto-lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967, procurou regular-se e esquematizar melhor a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública causadores de lesão aos cidadãos.

As soluções foram as seguintes (7):

Factos praticados fora do exercício das funções, ou no exercício delas mas não por causa desse exercício — responsabilidade exclusiva do titular do órgão ou agente;

Factos praticados no exercício das funções e por causa desse exercício com dolo — responsabilidade solidária do titular do órgão ou agente e da Administração;

(') O artigo 2399." do Cóiligo Civil únlia a seguinte redacção inicial:

Os empregadas públicos de qualquer ordem ou graduação que sejam não são responsáveis pelas perdas e danos que causem no desempenho cias obrigações que lhes são impostas pela lei, excepto se excederem ou não cumprirem, de algum modo, as disposições da mesma lei.

(4) Decreto n." 19 126, de 16 de Dezembro de 1930. (s) Revista de Legislação, n." 83.

(fi) Adriano Vaz Serra. Boletim do Ministério da Justiça, n.° 85, p. 446; G. Moreira. Revisto de Lcgishiçtio, n." 38.

Ç) Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.' ed., vol. ii, p 1234.