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7 DE NOVEMBRO DE 1992

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Factos praticados no exercício das funções e por causa desse exercício com diligência e zelo manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo — responsabilidade exclusiva da Administração perante o lesado, mas com direito de regresso contra o titular do órgão ou agente;

Factos praticados no exercício das funções e por causa desse exercício com diligência e zelo não manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo — responsabilidade exclusiva da Administração.

Esta é, em termos sumários, a situação actual.

Na generalidade, nos casos de responsabilização do funcionário, e depois do Estado, a regra tem sido o acto gerador de o prejuízo ser ilícito e culposo.

III

A complexidade crescente das funções do Estado e a sua maior intervenção, nomeadamente no económico e social, tomaram mais vulneráveis os direitos dos cidadãos.

O reforço da responsabilidade extracontratual do Estado tem-se mostrado assim um imperativo e constitui hoje uma garantia constitucional dos direitos individuais.

O universo da responsabilidade do Estado centrado apenas na culpa e na ilicitude apresenta-se como insuficiente para assegurar os direitos fundamentais.

Neste aspecto, diga-se, o projecto de lei tem oportunidade.

A responsabilidade sem culpa e por actos lícitos significa, obviamente, uma ampliação dá responsabilidade extracontratual do Estado.

E traduz assim um reforço das garantias dos cidadãos para protecção dos seus direitos.

Acto lícito danoso é todo aquele que, praticado no exercício das competências legais, de um modo consciente, voluntário e final, se dirige à produção de um dano na esfera jurídica de outrem (8).

É lícita a acção danosa porque «resulta da existência de um direito legalmente reconhecido a um sujeito de sacrificar bens ou valores jurídicos de terceiros inferiormente valorados pela ordem jurídica» í9).

Como exemplo pode citar-se a demolição de edifícios para deter a propagação de uma epidemia, etc.

A responsabilidade por risco surge no caso de actividades excepcionalmente perigosas, em que o acto praticado não se dirige conscientemente à produção de um dano, embora isso possa ocorrer.

É uma espécie de acto ilícito não culposo.

Como exemplos podemos indicar a distribuição de energia eléctrica, as obras e trabalhos públicos, etc.

Quer a responsabilidade por acto lícito — portanto sem ilicitude — quer a responsabilidade por risco — esta sem culpa — fundam-se no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, constitucionalmente consagrado.

Essa igualdade determina, portanto, que só sejam ressar-cfveís os danos especiais e anormais, isto é, os que não sejam gerais mas tenham gravidade, como bem assinala o projecto.

(*) Gomes CanotilUo, O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, p. 79.

(*) Gomes Canotillio, ob. cit., p. 81.

No ordenamento jurídico português temos exemplos excepcionais de responsabilidade por risco e por actos lícitos do Estado, nomeadamente no Decreto n.° 48 051, já citado.

IV

1 — O projecto de lei n.° 23/VI propõe-se alargar a responsabilidade do Estado aos actos jurisdicionais lícitos.

E prevê também o processo judicial para liquidação e pagamento da respectiva indemnização ao cidadão lesado sempre que os actos jurisdicionais tenham sido praticados em processo penal e ainda nos «casos de privação de liberdade contra o que a Constituição e a lei estabelecem», o que parcialmente já estava previsto na lei (10).

2 — O projecto em apreço encara a função jurisdicional do Estado como uma função administrativa sui generis ao estabelecer uma responsabilidade directa do Estado por actos jurisdicionais violadores de direitos, liberdades e garantias, determinantes de prejuízos especiais e anormais.

O artigo 22.° da Constituição da República, a que o projecto se acolhe, prevê uma responsabilidade solidária do Estado:

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos, para outrem.

Responsabilidade directa — prevista no projecto — e responsabilidade solidária — indicada no artigo 22." da Constituição da República Portuguesa— são realidades distintas.

Só pode existir solidariedade quando há pluralidade de credores —solidariedade activa— ou de devedores — solidariedade passiva — em relação a uma mesma obrigação ou responsabilidade.

No caso do artigo 22.° da Constituição trata-se obviamente de solidariedade passiva do Estado com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes.

A solidariedade do Estado será assim o vínculo jurídico a ligar os devedores, pelo qual o Estado e os titulares dos órgãos jurisdicionais estarão obrigados a pagar cada um a totalidade da indemnização ou do ressarcimento dos prejuízos especiais e anormais que tiverem resultado da violação de direitos por actos jurisdicionais lícitos.

A simples referência no artigo 22.° da Constituição a responsabilidade solidária implica a existência de outros obrigados ou responsáveis.

Esses outros responsáveis seriam sempre os titulares dos órgãos jurisdicionais, isto é, os juízes.

É, portanto, tarefa impossível de definir em termos constitucionais a responsabilidade solidária extracontratual do Estado por actos jurisdicionais lícitos sem definir simultaneamente a responsabilidade civil dos próprios juízes, titulares dos órgãos jurisdicionais, igualmente obrigados.

3 — A responsabilidade dos juízes dos tribunais judiciais encontra-se caracterizada no artigo 218.°, n.° 2, da Constituição nos seguintes termos:

Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei.

(10) Código de Processo Penal, artigos 220.° 222.° e 225.°