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II SÉRIE-A — NÚMERO 40
apenas 40 000 recenseados. Daí, uma vez mais, a pertinência das comparações: no caso descrito, um Deputado para 20 000 eleitores; nos distritos de Portalegre, Évora e Beja um
Deputado para 116 000, no primeiro caso, e 150 000, nos outros dois.
Porém, a preocupação manifestada no recurso permite chamar a atenção não só para a controvérsia dos critérios materiais (sem excluir, no limite, os constitucionais) da política legislativa agora proposta quanto à constituição de círculos eleitorais no estrangeiro, como para uma outra alteração de natureza radical em face do equilíbrio do actual sistema eleitoral e que tem consistido, como se viu, numa ponderação qualitativamente diferente do efeito do voto exercido fora do território nacional. Admite a Constituição em domínio não alterado na última revisão constitucional, nem tão-pouco objecto de propostas singularizadas em tal sentido, que o voto para a Assembleia da República dos portugueses residentes no estrangeiro seja exercido sem restrições mas seja, também, limitado nos seus efeitos por excepção da aplicação da regra da proporcionalidade na atribuição do número de mandatos sobre que incide tal sufrágio... Foi assim que pôde consagrar-se a solução da eleição de dois mais dois Deputados, por cada um dos círculos actualmente existentes fora do território. Pretende agora o projecto de lei (artigo 3.° , n.° 3) a criação de um círculo nacional de natureza proporcional no qual votem todos os cidadãos eleitores regularmente recenseados, incluindo os residentes no estrangeiro. Sendo que a solução merece reparos à luz do princípio formalmente constitucional da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, maior meditação merecerá à luz da Constituição material por significar uma pretensão de rotura com um regra vigente na base de um critério historicamente consensual quanto à atribuição de mandatos no regime de representação dos recenseados fora do território.
A ausência de previsão de normas que regulem a compensação da proporcionalidade em caso de eleição intercalar uninominal que venha a comprometê-la, é referido no recurso, põe em evidência o grau de imperfeição ou incompletude de um sistema que se pretende inteiramente proporcional, e por forma que afecta a natureza do sistema proporcional e do método da média mais alta de Hondt na conversão de votos em mandatos.
A questão suscitada em ultima ratio de que a simples existência de círculos uninominais afectaria só por si a proporcionalidade, se não por efeito da conversão de votos em mandatos pelo menos em consequência das dinâmicas do voto útil, não chega a ter a natureza de argumento praeter constitutionem — afinal os círculos uninominais e a sua função complementar estão, agora, expressamente admitidos na Constituição mas releva mais de um concreto juízo político sobre desenvolvimentos posteriores da prática de sistema que, em todo o caso, extravasam do plano objectivo da Constituição para reverterem para o plano subjectivo das opções políticas.
Chama-se, por fim, a atenção para a oportunidade de apreciação, a se, tantos dos fundamentos do despacho re-corrido quanto dos argumentos do recurso em apreciação.
8 — Cumpre, finalmente, orientar as conclusões do presente parecer. Do qual ressaltam fundamentos bastantes para exprimir um juízo de desconformidade constitucional de várias e importantes normas ou soluções do projecto de lei n." 509/VHJ, acompanhando e mesmo potenciando, nos termos supra-referidos, as preocupações reveladas no despacho de admissão por parte do Sr. Presidente da Assembleia da República.
Porém, tal como o Sr. Presidente da Assembleia da República, se afigura que o imperativo da apreciação parlamentar em grau mais aprofundado de matéria de tão transcendente importância para o Estado de direito democrático, quanto é o direito eleitoral, vindo além do mais a permitir o cotejo contraditório com outras iniciativas que se anunciam, deve relevar, ainda que sob reserva, em abono do cabal esclarecimento das questões suscitadas, bem como da possibilidade de discussão conjunta das iniciativas legislativas tendentes à reforma do sistema eleitoral.
Posto o que, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na sequência da apreciação do recurso apresentado pelo PCP do despacho de admissão n.° 128/VII do projecto de lei n.º509/VII, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 139.°, n.os 3, 4 e 5, do Regimento, propõe ao Plenário a apreciação e votação, na base das suas conclusões, do seguinte parecer:
1 — O projecto de lei n.° 509/VII, relativo ao sistema eleitoral para a Assembleia da República, enferma, nos termos expressamente referidos e identificados nos fundamentos do presente parecer, de soluções normativas manifestamente desconformes à Constituição e incompatíveis tanto com a natureza constitucional do sistema eleitoral de representação proporcional quanto com relevantes princípios do Estado de direito atinentes ao pluralismo de expressão e organização política democráticas, pelo que, em consonância com a argumentação constante do despacho que o admitiu, é objecto de um juízo preliminar muito reservado, quanto à sua viabilidade.
2 — Em vista da pertinência de abertura do processo legislativo relativo à reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República e em consonância com o elemento decisório do despacho n.° I28/VII, proferido em 18 de Março, pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, dá--se por admitido o projecto de lei n.° 509ATI e indefere-se o recurso apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, que deu causa ao presente parecer.
Palácio de São Bento, 26 de Março de 1998. — O Deputado Relator, Jorge Lacão. — O Deputado Presidente da Comissão, Alberto Martins.
Nota. — O relatório foi aprovado com os votos a favor do PS. do CDS-PP e do PCP e votos contra do PSD. O n.° I do parecer foi aprovado com os votos a favor do PS, do CDS-PP e do PCP e votos contra do PSD e o n.° 2 com os votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP.
ANEXO
Exm." Sr. Presidente da Assembleia da República:
Ao abrigo do artigo 139.°, n.° 2, do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP abaixo assinados apresentam o seguinte recurso do despacho de admissão do projecto de lei n.° 509A/TJ, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 — O artigo 149.° da Constituição da República Portuguesa estabelece que o sistema eleitoral deve assegurar o sistema de representação proporcional e o método Da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em mandatos.
2 — Refira-se ainda o facto de a alínea h) do artigo 288.° da Constituição da República Portuguesa estabelecer que o sistema de representação proporcional constitui um limite material de revisão constitucional.